sexta-feira, 11 de julho de 2025

subterrâneos de um arquivo

     Depois de dias, o sol. Neste lugar onde o sol é sempre um acontecimento: seja pela raridade de suas aparições, seja pela discrição com que desaparece. Quase não se notam muitas coisas quando se está dentro de algum lugar que se desconhece como foi erguido. Revelar um temor é um erro e uma fatalidade que pode mudar o rumo já incerto de todas as coisas. Paciência é o nome de uma senhora distraída que nunca mais foi vista por aqui. Nenhum lugar e todas as ausências. Os costumes obedecem a uma profana dialética que escapa ao nosso parco entendimento. Hoje, melhor não falar da fé. Nem dos seres que a acompanham. Nem das encruzilhadas onde floresce. Nem das ervas que exige. Nem dos cânticos onde ela dança. Hoje, o melhor mesmo é falar pouco ou nada. Abrir apenas as frestas das portas e das janelas. Observar. Meditar. Dobrar sobre si mesmo. Reverenciar essa inóspita presença do sol. Desfrutar da brevidade desse calor. Incensar o corpo e a casa, como se fossem os últimos oratórios. Reestabelecer algum caos onde a ordem ameaça estagnar o fluxo do rio. Sentir o sabor do sangue à boca. O amargo do beijo ao barro. Semana passada não houve sol e enquanto sobrevoávamos as folhas de eucalipto me vi abruptamente transfigurado num louva-deus. Animal de arquitetura sublime, nome gracioso e estranheza estética. A lua foi cheia ontem. Judite traz um punhal no peito. Ela me pediu nada dizer sobre isso. Em sua reverência, me ausento.


nuno g.

Campo de Marte - 11/07/25. 

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