sexta-feira, 30 de setembro de 2016

tradução: la poesia del sol: sergio mondragón



a poesia do sol

A louca poesia tem o chapéu do sol
a louca poesia tem o manto da chuva
a louca poesia tem as sandálias do mar
e nos estende seus fios dourados
e floresce como uma resposta a todas as perguntas

a louca poesia baixa as escadas do céu
trepa às árvores da manhã
cochila nas pestanas dos que nascem
dos que mergulham a luz do meio-dia
dos que aram e oram

a louca poesia tem os cabelos molhados
dorme pela noite
avança pelo dia
se detêm
aspira as flores e viaja com as nuvens

a louca poesia habita meu cotovelo
teu pé
habita teus peitos alegres
a louca poesia emana do centro do sol
escorre por tuas laterais
emana também do teu cabelo
emana de teus dedos
estala nas ameias de meus olhos
a poesia está louca por nós
para olhá-la só temos que traçar o quádruplo
           conjuro:
norte     sul     leste    oeste
e vê-la cair como chuva
ouvi-la cantar como o vento que passa
vê-la enrolar-se nas virilhas da tarde

a poesia está louca por nós e nos presenteia o verão
um verão que desfila lento
junto a suas irmãs as estações

a louca poesia

trad: nuno g.

tradução: laberinto: sergio mondragón


labirinto

Não basta
olhar
é necessário colocar em movimento
os sonhos do cavalo marinho
da memória
os suntuosos palácios
sonhados esta madrugada
não basta
escrever o poema
é necessário submergir na concentração
do varrer
do amar do olhar o chifre de uma formiga
é possível então precipitar a correr
de frente em direção ao mistério
contido
numa taça de chá;
o poema logo se organiza
a máquina para e a paisagem começa a cantar
desliza-se a mão pelo lombo do vento
um novo grito no bosque se inaugura
um novo canto goteja em direção ao asfalto
meu cão reza de joelhos
meu moinhozinho de orações trepida com o vento
já tudo é uma feira de cabeça para baixo
como uma virgem perseguida nos corredores do
                                                           labirinto
o místico labirinto
de uma vara e uma caixa de resina
em que guardo meu poema
o dobro
e o coloco nas estantes da cabeça
enquanto sais à rua
e andas como entre os livros da biblioteca
como entre a lembrança do poema que tramas
enquanto repetes a si
não basta olhar
é necessário

trad: nuno g.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

tradução: a ella: sergio mondragón



para ela

És o monte mais alto que conheço
o abismo mais fundo
a umidade mais viva
a herança menos esperada

És o vislumbrado apenas
o que grita quando o mar desesperado
se joga sobre as rochas

És a rosa de carne
os botões de âmbar
as uvas na boca

És a verdadeira realidade
que toda a noite vela
junto ao distante e o albatroz

És o verbo ser na boca de poetas
o salmão reverberante que remonta a terra

    O teu cabe
no parapeito do universo
num rincão da minha testa
no fundo de meus bolsos rasgados...

trad: nuno g.

tradução: luna llena: sergio mondragón



lua cheia

Lua cheia que olha pela minha janela
                  solitária y libertina:
poderia te contar histórias que te afugentariam do céu
lua cintilante que arde na minha cabeça
como fogueira incrustada na carne do real
acendestes na minha frente a fogueira da pobreza
não a falta de imagens senão a roda imóvel
o violão sem cordas
algo cravado no céu de meus sentidos
o relógio da torre acendeu
todas as aves velam
a noite do universo está jogada sobre o mundo
como pomba louca de amor sobre seus ovos.

trad: nuno g.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

within you without you ou mariposas amarillas ou luciérnagas & alacranes ou…



meu coração é maior que o seu silêncio
meu coração veste negro e justamente por isso ilumina os jardins por onde passa
meu coração, almirante louco que abandonou a profissão do mar,
marchou com os pais de ayotzinapa uivando i wanna be your dog
comendo peyote tomando ayahuasca &
roubando flores & sorrisos & sussurros & gemidos
meu coração, náufrago descansando na pedra delicada da ilha de nauro,
segue correndo como um personagem de dostoiévski
em busca de um concerto de patti smith
dizendo sim a todas feridas a todos os enigmas a todos os feitiços a todos os desejos
meu coração – que tanto anseia estar junto a mauricio babilônia y meme buendia  
sempre desejou multiplicar-se por séculos a fio
estar em todas as estrelas das noites minguantes
ser todos os cavalos dos reinos dos sertões minerais
e seguir escrevendo poemas seguir fumando maconha e
seguir seguir seguir...
...nos passos de augusto dos anjos de cruz & souza de rimbaud de sergio mondragón
meu coração é amarelo como os olhos de oxum
meu coração é mais vasto que o coração pálido e burocrático de...
lou reed, os momentos mágicos ocorrem para todos
mas não ocorrem todos os dias...
lou reed, new york é todas as cidades
mas nem todas as cidades são new york...
meu coração é um dragão meu coração é um abutre verde
vomitando escarrando esporrando
sobre essa colina onde semeamos nossas mais preciosas ervas onde semeamos as papoulas
& os venenos & os feitiços
onde os olhos de nossos inimigos estão cegos
onde ressuscitamos o amor a ilha a sede & a nossa sagrada fúria
o nosso desespero a nossa insanidade
o outro lábio de nossa entrega
todos os pontos cardeais na sola de meus pés
todos os delírios nessa noite em que a cidade das mil muralhas se vestiu de branco
todos os orgasmos neste poema todos os desertos
com seus assassinos fumadores de haxixe
todas as angústias todas as delicadezas todas as sombras e toda
a minha sede insaciável se afogando no seu mel
todas minhas carícias abrigando o seu corpo
todas minhas brisas refrescando seu plano de ação de aceiros versus queimadas criminosas
todos os animais do cerrado todos os pássaros todos os ipês
piscando seus olhos em direção a mim
enquanto um tamanduá
encara uma onça
& afugenta definitivamente qualquer sombra do ano que
não teve começo que não teve fim...
meu coração: as  luciérnagas, as mariposas, os alacranes...
meu coração é uma mesa posta:
faca, queijo, vinho
& flores de marijuana:
sirva-se, apenas sirva-se,
como se não acreditasse no futuro e nem nas mentiras que todos contamos a si mesmos
agarre a seda com força – mastigue o coalho, beba o néctar das uvas
a minha língua sonha os teus sonhos
a minha língua espreita o pequeno sinal em sua virilha
a minha língua – bifurcada como os mellizos da fábula –
convertida na devoção de minha saliva ao teu sal...
…glória – because the night – gloria...
fortaleza de nossa senhora da assumpção
tuas memórias, minha escuridão...
fortaleza...
meus joelhos outra vez sangrando de tanto chão
meus cílios acesos em serenata em devoção
ao azul do karma de tuas pálpebras – perdão, se ainda não as conhece...
tuas sobrancelhas inaugurando um novo arco-íris (horizonte sem forma)
sobre este continente perdido ingênuo & sanguíneo
sobre meu coração
sobre esta noite de segunda-feira e de tremenda oração
sobre o alívio de todos os que deixaram para trás os medos
sobre a minha vontade de te devorar
sobre teu corpo tua alma teu sono
abrigados a mil setecentos e setenta e sete quilômetros do
não-lugar onde escrevo estas palavras
sobre nosso hálito & sobre os dez anos que circulamos
em órbitas alheias
sobre este poema sobre as armas que já se transformam em passado
sobre o fumo sobre as cinzas sobre a carne sobre
os nervos de todos os prisioneiros
meu transe seja teu transe
meu delírio seja pétalas de lírios brancos chovendo sobre teu ceticismo
seja canção repouso & abrigo
de um coração que por um só instante acreditou que essa cidade poderia ser uma ilha
nos verdes mares de um pacífico oceano...
meu coração é só mais um entre tantos corações que vestem-se de negro
e gritam baixinho:
i wanna be your dog...

nuno g.
cachoeira, 26 de agosto de 2016. 22:27 pm.