sexta-feira, 22 de março de 2019

The dead father, por Carl Rakosi

Let me be an old dog in a corner
or a pair of favorite slippers
by your bed
and hear again about your early life
and have you care for me forever.

Carl Rakosi

terça-feira, 19 de março de 2019

as pupilas do marinheiro de Acatitlán

não paro de suar
derreto como um sorvete exposto ao sol
cozinho como um brócolis submetido ao vapor
procuro uma loja de aluguel de fantasias para devolver o disfarce de carnaval mas não encontro
pressinto que ausências prolongadas estão secretamente interligadas a isso
e que vastos túneis iluminados podem me levar a algum lugar
mas não ouço resposta
só o abafado sem-fim do silêncio
germinando como se fosse uma semente proscrita do meu dicionário
se eu não fosse tímido te ofertaria algum desejo perverso
mas existem coisas que só podem ser ditas em táxis com barreiras acústicas
a caminho de aeroportos aos quais nunca mais se regressará
não paro de suar
e meus cabelos ensopados não encontram um gramado para descansar
derreto e reformo meus projetos de anoitecer
a lua tá crescendo
e com ela a memória de uma reclusão casual que parece se estender ao infinito
a minha carne hoje imploraria pela violência de outra carne
se não estivesse tão ocupada em afastar de si
todas as obrigações
não paro de suar
e de pensar em como seria abrir as janelas da casa e permitir a entrada do vento
a minha carne explode como a pupila de uma flor selvagem
abandonada num canteiro periférico da província.

nuno g.

segunda-feira, 18 de março de 2019

ablução

o som da missa invade a casa.
maria dorme.
fumo um cigarro atrás do outro e cozinho um jerimum para fazer um caldo.

a noite tem reggae na praça.
faz tempo que não vou a uma festa de largo.
queria que as minhas palavras roçassem a língua dos anjos.
ressuscitassem o viço que os sucessivos naufrágios afogaram.
e povoassem o meu esôfago de lactobacilos.

a vizinha lava roupas,
ouço a água escorrendo e sinto o cheiro de sabão.
a vizinha cultiva passarinhos em gaiola,
maria bola planos infalíveis para libertá-los.

faz tempo que nenhuma mulher me devora.
as vezes sinto saudade do despertencimento que habita o corpo depois do coito.
a missa termina e o silêncio me convida a dormir um pouco mais.

separo resquícios do que fui e junto à couve para a sopa.
maria virou vegana, misturo seu sonho às ervilhas que separei para o pequeno-almoço.
quando acordarmos ainda haverá uma infinidade de máscaras a se desfazer.

fazia tempo que o Indecifrável não soprava com tanta força,
os ventos que descem das colinas provocam marulhos & mirações.

nuno g.

domingo, 17 de março de 2019

DOMUS DESIDERIO, por Anna Apolinário

Minhas mãos tateiam os pulmões acesos do quarto
Em deja vu aveludado e voluptuoso
Os sussurros alucinantes do fogo
Estão tatuados secretamente
Nas paredes e no entorno
A voz pétrea de Ariano me convida a espiar
Por dentro das letras e labaredas de seu livro fabuloso
O poema é um pequeno animal mágico
Verde viscoso, saltando das páginas
A linguagem ilícita dos corpos, arderá por toda a noite
Com o sexo em brasa, desenhei um meridiano obsceno neste leito
Nua e clandestina, plantei uma tempestade em lençóis alheios.

Anna Apolinário

quinta-feira, 14 de março de 2019

BREVE HISTORIA DE MI VIDA, por Stella Díaz Varín

Comando soldados.
Y les he dicho acerca del peligro
de esconder las armas
bajo las ojeras.
Ellos no están de acuerdo.
Y como están todo el tiempo discutiendo
siempre traen perdida la batalla.

Uno ya no puede valerse de nadie.
Yo no puedo estar en todo;
para eso pago cada gota de sangre
que se derrama en el infierno.

En el invierno, debo dedicarme
a oxidar uno que otro sepulcro.
Y en primavera, construyo diques
destinados a los naufragios.

Así es, en fin...
Las cuatro estaciones del año
no me contemplan, sino trabajando.

Enhebro agujas
para que las viudas jóvenes
cierren los ojos de sus maridos,
y desperdicio minutos, atisbando
a la entrada de una flor de espliego
de una simple abeja,
para separarla en dos,
y verla desplazarse:
la cabeza hacia el sur
y el abdomen hacia la cordillera.

Así es
como el día de Pascua de Resurrección
me encuentra fatigada,
y sin la sombra habitual
que nos hace tan humanos
al decir de la gente.

Stella Díaz Varín