sábado, 23 de outubro de 2021

Bixopá

o que é o Nada?

Uma porção de água doce no meio do deserto

 

uma Igreja de pedra

ferindo a solidão da paisagem

 

mangas, bananas e uma aquarela

conchinhas de unicórnio e som de flauta

 

arsenal de munição para as réstias da vida


nuno g.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

pátio São Pedro

Ela veio duas vezes

em dois corpos-fêmeas

numa falava português

na outra em desconhecida língua

os eguns desfilavam entre nós

como as contas de um terço de algodão & espinho

(à felicidade não restava nenhuma importância)

o preto-velho nos chamou

e nos serviu cachaça com tira-gosto

as luzes apagadas

o silêncio das alfaias

e o desespero de não chegar ao mar e lavar teus pés



nuno g.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

as flechas do Quixeré

me atravessaram como éguas atravessam um rio
deixaram feridas que só sua saliva cicatriza
e um sangue, talhado e doce
granulado como um pariká selvagem
a primeira, me lembrou seu olhar
e quando me disseram que o meu era o mais triste do mundo
a segunda, suas coxas
e quando elas desapareceram para sempre
a terceira, sua mão na minha
buscando água salgada pra criança brincar e subir

nuno g.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

O coveiro.

para Gabriela Gonçalves,


A poesia

reescreve o trauma

na órbita do corpo

 

As velas

reacendem o trauma

na órbita do túmulo

 

A cidade tenta apagar o inapagável

A família tenta esquecer o inesquecível

O vento é um caboclo

E seu hino é feito de sílabas de areia

 

A calçada

reinstala o território inabitável:

Amanhã é o único nome para descrever o passado.

 

nuno g.