sábado, 27 de abril de 2019

Posicionamento das lideranças, Xamãs, Pajés e associações da Terra Indígena Yanomami sobre vídeo divulgado na página oficial do presidente Jair Bolsonaro.

Boa Vista, Roraima, 18 de abril de 2019


No dia 17 de abril, o presidente Bolsonaro recebeu indígenas em Brasília. Nós Yanomami e Ye’kwana assistimos ao vídeo divulgado na página oficial do presidente das redes sociais e viemos responder o que foi dito em nome do povo Yanomami.

O Yanomami que aparece falando com o presidente não representa o povo Yanomami. Estamos reunidas 06 associações da Terra Indígena Yanomami, pajés, xamãs e lideranças Yanomami e Ye’kwana. Nós sim representamos o povo Yanomami e Ye’kwana, escolhidos por nossas comunidades para falar em nome delas. Somos mais de 26 mil Yanomami e Ye’kwana, que vivemos na Terra Indígena Yanomami.

Nós aqui sabemos os nossos direitos. Não somos crianças, somos lideranças e representantes do povo e não estamos sendo manipulados pelas ONGs, como foi falado. Sabemos quem são nossos parceiros. Desde antes da terra ser demarcada eles estavam do nosso lado e continuam defendendo nossos direitos.

O Governo Federal precisa cumprir com seus deveres Constitucionais e garantir os direitos indígenas escritos no artigo 231 dessa Carta Magna: é dever do Estado cuidar da saúde, da educação e proteger nosso território. O Governo deve fortalecer a Funai para que ela tenha condições de trabalhar pelos direitos dos povos indígenas.

Os povos Yanomami e Ye’kwana não vivem pobres, como também foi dito. Nossa riqueza não é poder vender a terra, tirar o ouro. Nossa riqueza é viver bem na nossa terra, a floresta, ter os rios limpos, a saúde do povo. Somos contra legalizar o garimpo no nosso território. O ouro para nós deve ficar embaixo da terra. Queremos renda que vem dos nossos próprios projetos que respeitam nossa floresta, como estamos fazendo em nossas comunidades. Nós somos os legítimos brasileiros, originários da terra, onde nascemos e onde vamos morrer. Não queremos ser igual aos não indígenas. Falando português, podemos virar dentista, advogado, mas o nosso sangue continua Yanomami e Ye’kwana.

Hutukara Associação Yanomami- HAY

Associação Wanasseduume Ye'kwana - SEDUUME

Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes- AYRCA

Associação das Mulheres Yanomami Kumirãyõma- AMYK

Associação Kurikama Yanomami- KURIKAMA

Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima- TANER

quinta-feira, 11 de abril de 2019

...

reagir é transformar o mundo em passarinho

marialice

ao Asno-Mor

¿
assim
que
transformar
nossa
terra
em
terra
prometida
é
converter
a
cuna
de
Bolívar
em
franja de gaza
e
o
alto peru
em
margem ocidental
?

nuno g.

domingo, 7 de abril de 2019

Horas Malditas, por Fagundes Varela

Há umas horas na noite,
Horas sem nome e sem luz,
Horas de febre e agonia
Como as horas de Maria
Debruçada aos pés da cruz.

Tredos abortos do tempo,
Cadeias de maldição,
Vertem gelo nas artérias,
E sufocam, deletérias,
Do poeta a inspiração.

Nessas horas tumulares
Tudo é frio e desolado;
O pensador vacilante
Julga ver a cada instante
Lívido espectro a seu lado.

Quer falar, porém seus lábios
Recusam-lhe obedecer,
Medrosos de ouvir nos ares
Uma voz de outros lugares
Que venha os interromper.

Se abre a janela, as planícies
Vê de aspecto aterrador;
As plantas frias, torcidas,
Parece que esmorecidas
Pedem socorro ao Senhor.

As charnecas lamacentas
Exalam podres miasmas;
E os fogos fosforescentes
Passam rápidos, frementes
Como um bando de fantasmas.

E a razão vacila e treme,
Coalha-se o sangue nas veias,
Mas as horas sonolentas
Vão-se arrastando cruentas
Ao som das brônzeas cadeias.

Oh! essas tremendas
Tenho-as sentido demais!
E os males que me causaram,
Os traços que me deixaram
Não se apagarão jamais!


Fagundes Varela

sábado, 6 de abril de 2019

sonho com rimbaud, por patti smith

sou uma viúva. pode ser em chalerville pode ser
em qualquer lugar. ele caminha atrás da charrua. as
campinas. o jovem arthur se esconde pela fazenda
(roche?). o gerador o poço artesiano. atira cacos de vidro
verde aliás lascas de cristal. acerta meu olho.

estou no andar de cima. no quarto fazendo um curativo.
ele entra. se aproxima da cama. suas faces coradas.
arrogante & mãos enormes. sexy como o inferno. que
aconteceu ele pergunta se fazendo de inocente. inocente
demais. tiro a bandagem. mostro meu olho uma nojeira
sangrenta: um sonho de edgar allan poe. ele se assusta.

atiro à queima-roupa. alguém fez isto. você. ele cai a
meus pés. chora em meu colo. toco seu cabelo, mas
queimo os dedos. densa raposa de fogo. cabelo dourado
macio. aquela inconfundível tonalidade ruiva. rubedo.
espanto vermelho. cabelo do Único.

cristo eu o quero. imundo filho da puta. ele lambe minha
mão. mantenho a calma. vai depressa tua mãe te espera.
ele levanta. está indo embora. mas não sem antes me
olhar com aqueles seus frios olhos azuis de assassino. ele
hesita é meu. estamos na cama. levo uma faca suave à sua
garganta. deixo cair. nos agarramos. devoro seu escalpo.
piolhos do tamanho de dedos de criança.
o caviar do seu crânio.

arthur arthur. estamos em aden, abissínia. fodendo &
fumando. nos beijamos. mas é mais que isso. blues.
charco azulado. mancha à tona da lagoa. percepções
ampliadas, alma vital. baía cristalina. explosão de bolas
de vidro coloridas. rasgadura de tecidos de tenda árabe.
se abrindo, aberta como uma caverna, aberta ao máximo.
rendição total.

patti smith

sexta-feira, 5 de abril de 2019

1977 – fragmento


o nome dEle é ogum
e foi escrito nas areias da beira-mar
dEle é o céu
dEle é a noite
nEle a verdade do sangue

o nome dEle é ogum
e foi escrito por um frade nas areias da beira-mar

nuno g.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

o diamante selvagem (tentativa de lapidação de um delírio)


à memória de josé alcides pinto



o Indecifrável roçou sua pele de algas
e sussurrou-lhe um breve salmo
ele, em êxtase, apenas pôde recordar
rosário, hóstia e língua
e uma suave ardência de
clamor & veneração

meus seios sussurram preces em tuas mãos
sílaba a sílaba, blasfêmia e furor
os meus feitiços roçam os céus de tua fome
sete vezes, Sinal da Cruz, na carne incandescente

trazia nos bicos dos seios duas gotas de lágrimas
e sabia que o sal repousado em seus mamilos
era o único capaz de aplacar o mistério da sua sede

coração curandeiro carniceiro carcará
fareja róseos anjinhos,
lambendo suas rezas, rosários e ladainhas
sete vezes, preparo unguentos, para o amante acometido
sete vezes, tempero a febre, com beberagens e artemísias
os sinais de nascença espalhados pelo meu corpo, as cicatrizes
estremecem os altares, as catedrais góticas do teu sossego
e os teus lábios, em obscena devoção, repetem:
abyssus abyssum invocat

o corpo fendido e fraturado buscando
o corpo eterno e sem mácula do absoluto
chagas em chamas, produzindo um canto
que conserve o rangido de todas as couraças
e todo o inferno das contradições dessa teologia da carne
                 sua consciência é um pântano
seus nervos foram tocados pela ira das Fúrias.

o meu espírito é devastado pelo Implacável.
a pele, um piano incendiado,
troando uma infernal partitura
o corpo em demolição ainda pulsa
caçando o sangue celestial, a cura.


nuno g & anna apolinário