sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

"Havia terra neles", de Paul Celan

Havia terra neles, e

cavavam.


Cavavam e cavavam, assim passava

o seu dia, a sua noite. E não louvavam a Deus,

que, segundo ouviam, queria tudo isto,

que, segundo ouviam, sabia tudo isto.


Cavavam e não ouviam mais nada;

não se tornavam sábios, não inventavam nenhuma canção,

não imaginavam qualquer espécie de linguagem.

Cavavam.


Veio um silêncio, veio também uma tempestade,

vieram os mares todos.

Eu cavo, tu cavas, e o verme cava também,

e aquilo que ali canta diz: eles cavam.


Oh um, oh nenhum, oh ninguém, oh tu:

para onde íamos que não fomos para lado nenhum?

Oh tu cavas e eu cavo, cavo-me para chegar a ti,

e no dedo acorda-nos o anel.


Paul Celan

trad. Yvette K. Centeno

domingo, 10 de janeiro de 2021

Na estante do meu avô, por Agostinho

Eu sonhei co'a velha estante

Da casa do meu avô

Lugar bonito e pujante

Onde este vate estudou


Uma lembrança ficou

Que me fere todo instante

O retrato que marcou

Do meu avô o semblante


Aquela estante modesta

Sempre fora minha festa

Sempre me dera alegria


Naquele local indulto

Eu tornei-me um homem culto

Relendo filosofia


Agostinho 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

2021, por M. França

lá naquela esquina tem vacina para a solidão
vc pega o auto o poema pelo avesso
vc pega pelo meu braço e comigo vem ver o mar
o mar nos enlaça na maresia de nossos sonhos.

o leviatã segue em orion, em alegria
neste ano, o carnaval vai passar
neste ano, o são joão terá folguedos e abraços
neste ano, o azul será turvo, cor de chumbo
azul de picasso, azul de modigliani
com toda chuva de ansiedade lá fora, vou pegar o guarda-chuva da poesia
com a sacola de miudezas em cognatos, em morfemas
em vetores, irei fazer uma prece, uma reza, uma oração
cada poema é uma oração
cada pintura é uma oração
cada sinfonia é uma oração.

a timidez dos festejos vespertinos
a solidão dos reveillon de 2020/2021
a crueza dos fardados fascistas
a mudez das crianças e dos velhos por entre máscaras
a palidez dos sonhos e o silêncio dos autos
não me assusta
não me faz desistir desse samba torto
essa febre, esse ritmo, essa toada
da formiga
da cigarra
do poeta
que te diz q o amor é o astrolábio dos sentimentos
e o medo, esse medo, terá o fim.
:a alegria é a prova dos noves.


M. França