quinta-feira, 30 de junho de 2016

hilda,
perdão pelo transtorno
mas hoje estive com o anjo que impulsiona meus poemas e
, inevitavelmente,
lembrei de você

ele me disse coisas terríveis
mandou um beijo pra adélia
outro pra você
e escafedeu no meio do pesadelo...


cachoeira, 29 de junho de 2016.

domingo, 26 de junho de 2016

...

cadê meus cavalos, meus sonhos, minha filha? Não é possível que esse pântano tenha tragado tudo! Será por isso que meu avô chamava esse lugar de tempo? Cadê a lua, cadê o sol, cadê a coragem? Terá tudo terminado assim sem mais nem menos? Estarão os deuses a brincar comigo? Logo eles: em quem eu depositei toda minha fé minha vontade e minha vida. Eles que me ensinaram a jogar com ossinhos nessas várzeas de piçarra e carnaubais. Logo eles! Estarei de agora em diante me distanciando de meu próprio centro numa velocidade inimaginável? O que restará depois de minha desintegração? Haverá algo além dessa pele que se decompõe a olhos vistos? Haverá outros sobreviventes dessa hecatombe ou serei eu o único? Cadê as plantações de milho e feijão que agora a pouco a chuva regava? Cadê a capelinha de são josé e o barzinho de dona maria? Cadê minha filha com seus olhinhos ávidos e suas estórias de estrelas anjos sonhos e pôneis? Cadê o cemitério onde descansam meus pais? Cadê os sanfoneiros com suas alegrias desenfreadas? Cadê as crianças brincando no terreiro? Cadê o alpendre com suas onze mil redes esperando por nossos cansaços? Cadê o gibão que nessa caatinga de meu deus sempre me protegeu das juremas dos cardeiros e das assombrações de aluvião? Cadê o gavião que nesse céu deslizava como majestade? Onde foram parar meus pesadelos? Aquela cela sem porta e sem janelas e aqueles homens encapuzados que nela me trancafiavam? Haverá desaparecido tudo que tornava o mundo reconhecível? Cadê meus amigos fazendo estripulias e o rio com seus rebanhos de arribação? Cadê a serra com seu calcário & agrotóxico? Cadê a rua dos cabarés, cadê a noite pra aplacar a ira desse clarão que me cega? Cadê os raios, as tempestades e aquele acampamento de ciganos debaixo do pé de oiticica? Cadê o baú de livros que herdei de meus antepassados? Os manuais de pirotecnia, os tratados maçônicos, as psicografias kardecistas? Cadê os folhetos de bang bang e os cordéis e as iluminuras? Cadê as velas, os beatos, os cangaceiros? Quem destruiu o mundo assim de supetão? Por que diabos sobrevivi a essa hecatombe, a esse sinistro e inesperado apocalipse? O que farei daqui por diante se não reconheço nada à minha volta? Nem minha própria imagem me é familiar agora. Não posso chorar. Não posso sentir raiva. Não tenho mais amor. Não reconheço as nuvens. Não reconheço o chão. Só tenho um punhado de memórias que a qualquer segundo podem se esfarinhar e desaparecer como todo o resto. Nem sombras, nem fantasmas, nem figuras ou manchas desbotadas. Apenas a insanidade de um firmamento selvagem que carbonizou toda a flora toda a fauna e todas as peripécias e episódios de minha longa educação sentimental. Onde estão aqueles poemas de josé alcides pinto? Onde estão os três vales premonitórios de minha infância? E o mar? Que dragão teria tanta sede pra engolir todo aquele sal? As jangadas, os pescadores, os coqueirais? As falésias? Onde está todo aquele encantamento que desdobrava o tempo de minha juventude numa série infinita de eternidades aprazíveis e delicadas? Cadê meu desejo? Cadê minhas estradas? Cadê a antiga fazenda do mato alto com seu casarão de pedra suas cercas de pedra e sua torre mística? Cadê as cabras, os missais, os oráculos sombrios e tenebrosos? Cadê minhas veias, onde foi correr meu sangue, que usurpador levou as relíquias de corisco que guardei por tantos anos? Onde está o escombro disso tudo? Como é possível tanta coisa desaparecer sem deixar sequer escombros? Não há sequer sinal de ruínas, nenhum vestígio, serei o único a recordar de tudo isso que o mundo foi um dia? Onde está minha filha, quem a levou? Ela é minha última esperança de que tudo que desapareceu não se perca definitivamente. Ela saberá de cor toda a história de como chegamos até aqui. De como nos tornamos o que somos. De como nossas misérias, nossas desgraças, nossas rebeldias, nossas couraças, nossos prazeres, nossa valentia e nossas travessias valeram a pena. Onde estão os junkies esfarrapados com seus catecismos químicos e seus mantras alucinados? Onde estão as duas fortalezas que protegiam a entrada de nossas terras? Onde estão aqueles descendentes de holandeses que ficaram por aqui e se misturaram com os tapuias? Onde estão as éguas russas que os invasores avistaram no dia de são bernardo? Onde está a farmácia onde comprávamos elixir paregórico pra extrair um pouco de ópio e apaziguar nossas angústias? Onde está toda aquela metafísica telúrica que adornamos século a século? Onde estão as cascáveis, as onças, as jaçanãs, os marrecos e os capotes com quem compartilhávamos nossa solidão existencial? Onde está a ilha das feiticeiras? Onde está o vento Aracati? Onde está minha alma, meu coração, meus sentidos, meus instintos? Tudo desapareceu como um fogo fátuo. Como uma nebulosa distante. Como uma neblina madrugadeira. Cadê o lunário perpétuo, a missão abreviada, as imagens dos santos? Cadê meu corpo? Cadê meu grito? Cadê minha filha? Haverá saída desse abismo? Haverá um guia que me ofereça uma mão para escapar desse labirinto? Alguém algum dia poderá reconstituir o que ocorreu aqui? Restará algum fragmento que permita interpretar o simbolismo maldito dessa tragédia sem igual? Morrerei como uma coruja que antes do parto profetizou sua própria morte ou como um galo que pela manhã cantou o velho sol esquecido? Quem sou eu? Quem de maneira tão súbita destruiu o mundo? Como perdoar um ser capaz de tão bizarro gesto? Como vingar-se de criatura capaz de tamanha atrocidade? Como reinventar do nada um mundo? Como não se entregar e não se abandonar à autoconsumação? Como não extinguir-se quando tudo o que nos faz ser o que somos já extinguiu? Onde está minha filha? Que fogo consumiu o ventre que a pariu? Onde estou? Que nuvens são essas? Que chão é esse? Será por isso que meu avô chamava esse lamaçal de tempo? Será que foi ele que tragou todo esse universo e suas atmosferas? Será que um demiurgo pode refazer um mundo só com cinzas & lembranças? E essas membranas em meus dedos? E essas armas enterradas em meus pulmões? E as promessas que fiz no campo santo? E o amor? E as paixões? E o sofrimento? Terá sido tudo em vão? Não haverá nenhum sentido nessa roda de samsara? Onde está nossa casa? Onde está nossa terra prometida? Onde está meu avô? Onde está o assassino de meu pai? Onde estão as estrelas que eu conhecia? Onde está o rosário de minha bisavó? Onde estão meus primos? Onde estão meus cavalos? Onde está o sertão? Onde estão os hippies da praça? Onde estão as vazantes e as barreiras? Onde está minha bicicleta? Onde está meu pesadelo mais delicado? Onde está minha calça jeans favorita? Onde estão as mulheres verdes, onde estão as mulheres algas, onde está a dinamite pra explodir a cabeça deste século impuro? Onde está Esopo e todos os contadores de fábulas? Onde está... onde está... onde...


... onde estão os sermões, os pecados e os confessionários? Onde estão os automóveis & a poeira das vestes desfiguradas? Onde estão os monges ascéticos? Onde estão os sábios que me ensinaram a arte da decifração dos cantos das onças? Onde está a carroça de fogo? Onde estão os peixes multiplicados? Onde estão os lírios encantados? Onde está o tamarindeiro da Timbaúba? Onde estão os córregos que nos orientavam por estas várzeas? Onde está o escapulário que me protegia contra o mal? Onde estão as plumas do gavião? Onde está a carcaça do touro? Onde andarão os mateus? Os reisados? Os tocadores de pífanos? Que tamanho terá essa noite? Quem desvendará a geografia dessa escuridão? Em qual região do inframundo foi parar aquele amolador de punhais que criava demônios no pé daquela colina habitada pelos abutres verdes? Onde estão minhas lágrimas? Onde está meu amor? Onde foi parar aquele caderninho de equações matemáticas que herdei de meu tio? Onde... onde... onde...



nuno g.
cachoeira, 26 de junho de 2016.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

a luz nasce das pedras


para alice: por nomear antiga visão

Em tudo o que se está vivendo aqui se assemelha à imagem do inferno que um tempo atrás povoou minha mente: lascívia desenfreada, drogas de péssima qualidade e ausência total de qualquer presença transcendental. Por trás de toda essa festa nonsense e interminável cochila uma tristeza metafísica que atingiu o ápice do seu estado de canseira, de desgosto, de abominável recusa ao mundo asqueroso e arrogante que essa atmosfera podre foi gestando ao longo dos últimos meses. O tempo, transformado em poeira e solidão, parece sequer existir – e um longo e interminável presente domina tudo o que acontece. É uma daquelas épocas em que a vida escapa inteiramente a nosso controle, em que nossos instintos mais rudes tomam as rédeas e com um sorriso, a um só tempo sarcástico e irônico, acaricia e bagunça as crinas daquele cavalo alado que outrora vagabundeou como um santo na imensidão do cosmos. As peles se roçam no escuro, os beijos se atropelam uns aos outros, todas as individualidades derretem como um sorvete sob o sol do sertão. A inclemência se torna lei, o egoísmo rege o destino furioso e converte o monge em um mais entre todos os anjos decaídos. O som dos tambores não atinge o coração. A fartura, a festa, o transe permanente: incapazes de oferecer uma noite de sono tranquila, um sonho autêntico, símbolos vivos. Restou a sede, zumbis insaciáveis, máquinas de se esfregar... Uma barata caminhando entre poemas apressadamente rabiscados em papéis jogados ao chão é o resumo, a síntese, alavanca primordial deste universo que me tragou antes que eu pudesse retirar do corpo o sal do último naufrágio...
As ressacas se sucedem de forma tão natural e espontânea como as ondas no oceano. A culpa omnipresente e escandalosa. O ódio originário, nascido da infância, da alienação parental prolongada e violenta, da dúvida dilacerante e escabrosa sobre o peso daquele dedo que puxou o gatilho e mandou meu pai pro outro lado. A atmosfera de vingança dominando a paisagem. A estupidez e a beleza da guardiã insistindo em manter os pés sobre a terra, em manter a casa erguida, em alimentar as raízes a tanto tempo falecidas, em inculcar no horizonte a pintura fantástica de uma imaginária terra prometida, o coração de jesus sangrando na sala, as velas acesas no oratório, a vigília permanente, a contenção quase absoluta do grito e da revolta, as saias das meninas indo pra escola, chupando picolés debaixo do pé de juazeiro, a visão miraculosa da via láctea se esparramando sobre o vale, o paredão de calcário e agrotóxico refletindo a luz da lua cheia, os olhos de alice faiscando e repetindo papai, aqui no ceará a luz nasce das pedras e minhas vísceras chorando e o excesso de álcool me corroendo e outra festa e outros beijos e outras esfregações e outras drogas de qualidade duvidosa e uma que outra saudade do meu campo santo e seus mortos lamentáveis e a estrada e a estrada e outra vez a estrada e o gavião trazendo algo de serenidade e outra vez o gavião trazendo algo de sabedoria e ainda uma vez mais o gavião trazendo umas colheradas de sopa cheias de amor e energia e mais estrada e um céu com cheiro de chuva e o gosto do mugunzá do cariri e as meninas na praça e a errância do espírito e o reencontro com os velhos amigos com suas dores com seus clamores com seus estados alternados de delírio e febre, depressão e dor, exaltação e resignação e o bafo da onça da morte e a fera do abismo e os verdes abutres e os olhos de alice e a ardência dos comprimidos esmagados vendidos como se fossem cocaína rasgando as narinas e as crianças brincando e a sede a sede a sede insaciável formando um redemoinho insensato e engolindo a todos os que estamos aqui compartilhando essa época de desespero e futilidade, essa época de seres inúteis lutando por questões sem nenhuma importância, essa verdadeira idade das trevas, de calabouços repletos de reticências, de almas áridas, esturricadas e desertas.  A man within, o amor está fora da equação, a man within... a man within... a man within…
O clamor medonho do chão convertido em última oração, a angústia abafada no ar, a memória da clepsidra de vidro, os cabelos da prostituta loira arrastada pelas ruas da cidade em martírio inigualável, os símbolos indecifráveis da heráldica arte dos aparatos de ferrar gado, os ruídos das formigas escutados na madrugada que antecede o inverno, a saudade, a frieza, a crueza de uma filosofia mineral e toda a crueldade dos gestos que como corolários dela derivam, a mística selvagem perdida entre a destemperança e as páginas amarelecidas de um tratado escolástico, o rio sangrando e morrendo todos os dias debaixo dessa ponte enferrujada e carcomida que os ingleses negaram aos egípcios, o ócio, outra vez a droga barata, outra vez essa dor que já deixou de ser dor e se tornou memória da dor, outra vez o gavião nas barrancas da praia do montecristo, alice sorrindo, abrindo a torneira, correndo pela casa, devorando goiabas, me beijando me acordando me pedindo um ataque me dizendo papai, obrigada por ir me buscar, cachoeira é linda...
 ...papai vamos ver os peixinhos-árvores de santo amaro! Os automóveis da 324 cruzando braçada atrás de braçada cada uma das lágrimas cada uma das viagens cada uma das desgraceiras que passaram pela minha cabeça naquela br, cada fragmento do grande sonho que representava a 116 com seus castelos de pedras defendidos por cangaceiros armados iluminados pelo sentido sacrossanto da justiça que emana das divindades obscuras arcaicas e enigmáticas do sertão, o parto de alice, o castelo encurralado por covardes que ensaiaram uma arapuca sem honra, desprovida de brilho e de glória mais dotada de alta eficácia bélica e enquanto as balas ricocheteavam nas pedras e M. uivava os uivos de uma gata maracajá parindo nos defendíamos sem deixar de cuidar que nossas vestimentas de couro adornado com ossaturas coloridas perdessem a compostura exigida pela ocasião. A cachaça, servida com moderação, nos mantinha em alerta permanente papai quando eu era bebê eu fazia guga guga e você me dava banho de chá de folha foram três os feridos na gesta, a festa se seguiu por vários dias, assamos carne, descansamos às mãos da pólvora, bebemos todos juntos como se fôramos uma família e era isso que éramos naquele momento e alice recebeu toda aquela energia e foi demasiadamente feliz por aqueles dias e nunca permitimos que fossem retiradas todas as marcas daquela batalha de onde nasceu a vida e em respeito à memória dos inimigos que deram seu sangue e viram suas vidas escorrerem pro ralo da eternidade durante aquela batalha dependuramos cinco ou seis dúzias de flores negras no arame farpado da seca e todos os dias víamos seu murchar ante a rispidez do astro de fogo, até que um dia acordamos e nos demos conta de que elas haviam virado cinzas definitivamente, cinzas, como tudo mais nessa vida...
 Sua comida favorita era brócolis. Brócolis puros. Cozidos no vapor. Sem sal. Sem nada. Você os devorava com as mãos. Empurrava aquelas flores verdes esponjosas pra dentro da boca sem se preocupar com mais nada. Você atingia o nirvana comendo brócolis na sua cadeirinha. Você aprendeu a ficar em pé segurando em uma parede de vidro. Você viveu seus primeiros dois anos numa casa de vidro. Você ia pra uma escola na roça que era muito legal. Tinha fogão de lenha. Tinha jardim de grama. Tinha bons amigos que provavelmente nunca voltará a ver. Tinha vacas nos terrenos vizinhos. Tinha cabras, tinha plantação de milho, tinha brincadeira de roda, tinha fruta e tinha brócolis. Papai, faz sopa de tomate pra gente?...
Por onde andará aquela santa de minas gerais que de tanto caminhar trazia os pés cobertos de chagas e de tanta compaixão que alimentava pela humanidade carregava dentro das pupilas uma lua triste apregada no topo de uma pirâmide invertida com uma inscrição enigmática impressa num vestígio do que um dia foi vermelho sangue? Por onde andará e como se chamará aquela santa dos véus de andrajos que guiava a legião de moscas, cegos e mendigos pelas ruas de calçamento da cidade santa onde misteriosamente tudo se metamorfoseava e ganhava os contornos os relevos os topônimos da geografia da terra mítica dos semitas? Por onde andarei? Por onde ando? a man within me persegue e sinto como se me espreitasse em todas as esquinas desta cidade. A man within de soslaio com toda sua parafernália de armas e sua cara de quem está o tempo todo calculando alguma fórmula ou equação que definitivamente vai embaralhar todos os elementos do jogo criando um caos perfeito absoluto e harmônico embora inteiramente distorcido. Distopia, estupor, demência generalizada. Os tentáculos da rede nos envolvendo, retirando de nós o oxigênio, retirando de nós a rua, retirando de nós a paixão, retirando de nós o cálculo, retirando de nós a fé, retirando o retirante que é nossa última esperança, transubstanciando a liberdade em mera palavra e o mundo em um deserto onde só resta uma única pedra capaz de parir a luz necessária...
Papai você esqueceu a estória do monstro zack, ele era roxo, ele comeu a doninha, ele comeu o grilo falante! O grilo falante não! Tou doida! Ele comeu a raposa e a gente furou a barriga dele com a mão e salvou todos os bichinhos papai, você esqueceu né? E a capsula de cianureto foi aberta e com os dedos foi massageando os lábios grossos e fazendo expressões de quem goza, expressões que eu só conhecia de uma amiga puta que gozava de verdade, uma boa e velha amiga que nunca mais encontrei, recordo que uma vez estávamos fodendo na noite da praia de Iracema e como ela me repetia que esses malditos filhos da puta todos pensavam que ela era uma coitadinha quando na verdade ela só queria foder e foder e foder sem parar e que isso era seu desejo e seu caminho e que só assim ela conseguia fazer a mente parar de verdade e então se dava conta de que tudo isso que nós chamamos de realidade não era nada – e nessa hora eu pensava no livro de areia de borges – e ela parava de falar e chupava minha pica e repetia no meu ouvido nada é verdadeiro, tudo é permitido e com suas habilidosas mãos encaixava minha pica dura naquele cuzinho e me espremia contra a parede e pedia goza dentro de mim, goza dentro de mim, me fode, goza na minha bunda, come meu rabo seu escroto, você é igual a eles todos, só te dou de graça por que gosto dessa sua pica, goza... papai, sabia que o basquiat gosta de mim! Ele gosta muito de mim papai, ele é um dormilón papai...
...a man within…onde foi que colei aquele pedaço do passado que recortei na madrugada de ontem pra hoje? E a tesoura, onde deixei? Em qual dessas touceiras reboleis a tesoura azul? É a tesoura que alice me trouxe de outro planeta. É a tesoura que usaríamos para abrir a pança de todos os monstros roxos que tornassem a vir ameaçar os bichinhos da floresta. É a tesoura do ser. É o grande e esperado sujeito do cut up final. A senhora das sete línguas das sete mãos dos sete rosários dos sete cílios das sete esperas dos sete ebós dos sete caminhos e das sete nações que dominam as ruas. Onde enfiei a porra da tesoura? O trono dela flutuando nas águas desse rio, suas roupas de gueixa incendiando na outra margem, sua fantasia de vaqueira se esgarçando entre o sem-fim de estrelas dessa grandiosa e trágica noite recôncava, as bandeirinhas de são João, as fogueiras de são João, as duas crianças mortas na véspera de são João: minha aflição cuidando de alice & bernardo e pensando que a poucos metros de nós duas crianças estavam sendo calcinadas pelo fogo e que seus corpos suas alegrias suas inteligências suas brincadeiras suas inocências seus delírios suas imaginações estava virando cinzas e que nem eu nem alice nem bernardo nem ninguém podia fazer nada quanto a isso e que noutro dia todos teríamos que seguir e teríamos que comprar alimentos e teríamos que comer que tomar banho que cagar e que teríamos que voltar a sair de casa e dar bom dia uns aos outros e cuidar das crianças todas que não morreram e que talvez cheguem a idade adulta e tenham filhos e estejam cuidando deles quando avistem uma fumaça no céu de um outro domingo e saibam que aquele incêndio está transformando duas crianças em cinzas e sem saber eles estarão nos perdoando de uma culpa que sequer chegamos a ter e talvez isso os permita redimir todas as pessoas do mundo exceto os políticos os traidores e todos aqueles que carregam porcos no espírito e talvez seja assim que eles entendam que no meio de tudo ainda existem algumas maneiras de procurar uma canção e que essa maneira pode ser semelhante àquele escultor que retirou da pedra tudo que não era cavalo...
 ...lembra que a gente foi passear com o basquiat e ele fazia xixi na parede, lembra que o tio claudio guardava o côcô dele num saquinho, lembra pai?...  


cachoeira, 19 de junho de 2016.
nuno g.