sábado, 27 de junho de 2020

Serenidade, por Leopoldo María Panero

                        Para Martin Heidegger

Só há duas coisas : o meu rosto desfigurado
e a dureza da pedra.
A consciência só se acende
quando o ser é contra ela:
e é assim que todo o conhecimento
e a matriz de toda a figura
é uma ferida,
e só quem chora
é imortal.
E a noite, mãe da sabedoria,
tem a forma inacabável do pranto.

Leopoldo María Panero
tradução: Luis Costa

sexta-feira, 19 de junho de 2020

***

Del amor sólo queda el cuerpo:
Una biología vigorosa y atractiva
con la que me solazo y sueño

En vez de amor tengo poemas
por quienes ser feliz y ser sufrido
los rememoro en mi intimidad
presiento su llegada a mi vida
los maldigo cuando no se entregan
recuerdo siempre cómo han venido

Amor es algo que aprendí en Platón
y en él quemé una larga adolescencia
en la que casi siempre se mostró esquivo
Mas en ese tiempo no sabía de poemas
y mi alma incompleta necesitaba alguien
para ser ella un todo consigo misma
Escribía cartas para que me amaran
ahora amo a los otros en mí y escribo

raúl gomez jattin

domingo, 14 de junho de 2020

5000


São esses os mortos contados no Ceará até agora.
Sabemos que esse número é menor, muito menor que o de fato.
Ontem trezentos fascistas tentaram invadir o congresso nacional.
Ninguém foi preso, ninguém foi morto, ninguém foi espancado.
É que entre eles não havia ninguém que fosse alvo.
Anteontem outros fascistas invadiram hospitais.
A mando do Asno-mor, autoproclamado tirano desta republiqueta infernal.
Ninguém foi preso, ninguém foi morto, ninguém foi espancado.
É que entre eles não havia alvo.
Um jovem é espancado na periferia de São Paulo.
O filho de uma empregada doméstica cai de uma torre no Recife.
Um estudante negro “suspeito” de roubar um carro é preso em Salvador:
Ele não sabia dirigir e foi sequestrado quando voltava da caixa onde foi receber os famigerados seiscentos reais.
Ninguém vai ser preso, ninguém vai ser morto, ninguém vai ser espancado.
São só notícias banais: é só a rotina desta nossa republiqueta infernal.
O ministro da economia faz a contabilidade: com os anciãos mortos ele zera o déficit da previdência social.
O ministro da justiça faz a contabilidade: com os mortos da favela ele equaliza a mão de obra de reserva e diminui o exército de desempregados que poderia levar adiante uma revolução indesejada.
O ministro da educação desfila sua ignorância pelas ruas de Brasília: selfies alegóricas para uma triste posteridade.
Os shoppings estão abertos, as igrejas evangélicas também.
O ministro da saúde escova a farda e amontoa nos gabinetes mais militares: todos especializados em pandemias e problemas sanitários.
O Kuarup foi cancelado: os pajés sabem que os mortos podem esperar – a memória da peste é sábia conselheira.
Com alguma sorte faz sol, dá praia, e na falta de algo melhor vamos todos desfilar nosso racismo, nossa truculência, nossa infinita devoção à barbárie.
Perco o sono e passo a noite em claro pensando: como daqui a uns anos vamos explicar a nossas crianças que vimos tudo isso acontecer e não fizemos nada.
Com que olhos olharemos nos olhos de nossos filhos quando os olhos deles nos pedirem que nos expliquem como permitimos que o mundo que os legamos fosse ainda pior que o mundo que herdamos.
Até Roberto Jeferson, o canalha ressuscitado, aos quatro ventos brada: anistiamos os militares que nos salvaram e a eles agora recorremos que outra vez nos salvem.
Abro os jornais e vejo: Monica Bergamo, Eliane Cantanhêde e Vera Magalhães esbravejando a torto e a direito como se não houvessem semeado isso.
Silvio Santos, Major Curió, Hermanos Weintraub e Olavo de Carvalho: todos condecorados com medalhas de mérito e honrarias.
O ministro do meio ambiente age rápido: o vírus escancarou a porteira passemos a boiada rapidamente.
Damares, a que vê Jesus em pé de goiaba e que por caridade adotou uma indígena, se emociona ao ver navios militares distribuindo a peste na floresta.
Sim, acabou: já basta.
Chega de ler liberais arrependidos disfarçando que não sabiam de nada.
Chega de fazer de conta que os fascistas não são necessários aos sonhos neoliberais de nossa republiqueta com delírios escravocratas.
É domingo. Faz sol. Não vai dar praia.
O meu temor é não ter palavras quando minha filha crescer e me perguntar:
Papai, você viu tudo isso acontecer e não fez nada?

nuno g.
14 de junho de 2020.