quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

se ainda fossem possíveis cartas amorosas 1977 ou oração à lua grande no alto do rosarinho


para marialice,

querida filha
ontem a lua nasceu grande
dizem que ainda maior do que aquela que iluminou tua imaginação na chapada do apodi
meus olhos nela encontraram o brilho dos teus
nela revi todos os 365 banhos de erva que te dei
nela a alegria infinita de uma lembrança que já parece tão distante
de você contemplando meu choro minha coragem desmedida e desabrigada
de sua voz tão sábia tão antiga tão certeira como a flecha do arqueiro zen
tá doendo papai né? vou te dar um beijinho e vai passar viu...
papai, aqui no ceará a luz nasce das pedras...
querida filha
desde que você saiu da barriga de sua mãe
– e você sabe quanto resistiu: era sua maneira delicada de nos ensinar a esperar... –
o mundo girou girou girou e muitas luas se passaram
até chegar esse dia que a lua nasceu tão grande
que todos dizem ser a maior de todas as luas
eu na verdade não sei se isso seja verdade
mas estou certo que saí de casa pra esperá-la no alto do rosarinho
onde mataram por esses dias dois adolescentes
onde recitei um dia pra tu madre quando ela ainda era
a gueixa mais linda no meio da multidão
celebrando a mais cachoeirana de todas as alvoradas...
querida filha
ontem a lua nasceu grande
e olhando o brilho dos teus olhos no brilho dela
me deparei com minha missão abreviada
&
meu lunário perpétuo esparramando-se sobre uma espera
sobre a trajetória obliqua de uma flecha que na mais profunda solidão
reencontra-se vasto sorriso estampado em negra bandeira de nau que se quer insensata:
meu lunário perpétuo fustigando com curta vara meu coração oráculo
flutuando sobre vazios sedimentados por tantos séculos e silêncios
e pragas e egoísmos e maldiçoes e