para Assucena,
A conhecemos no Campo de Marte enquanto flutuávamos sobre as folhas de eucalipto em busca de um lugar onde alimentar nossos guias. Garras afiadas e retorcidas. A ansiedade e o progresso são irmãs gêmeas e incestuosas, de sua cópula nascem a estupidez e a ruína - foi o que nos disse antes de partir. Impermeável e sisuda. A todo cansaço se segue uma longa noite - foi o que nos disse ao chegar. Ao redor o som da cidade e em seu corpo som de flauta e incêndio, aroma de flores e águas, efervescentes memórias e evanescências. Dorotéia cruzou a soleira do Campo de Marte a passos distraídos. Todos os guias necessitam ser alimentados: nossas mãos cortaram o frio e tocaram o barro do chão. Além de nós havia um helicóptero sobrevoando o vazio e o sangue. Um rio chamado pássaro e os escombros da cidadela das cicatrizes. Ludmila, de saia rodada e sem paciência. Existem guias que se alimentam de poesia. Deve ser muito triste morrer antes do dia. Dança de Esquilos entre as folhas de eucalipto. Flutuamos e esquecemos. A facilidade com que os de agora se satisfazem é sintoma da decadência de um tempo que não reconhece na lâmina das águas a própria face. Olegária, sobre o cansaço e as voltas tortuosas que alguém é capaz de realizar sobre si mesma. Nossos guias comeram, sorriram e acenaram. Hermenegildo reverenciou a Serpente e Ernesto se perdeu em seu Caminho Amarelo. Tudo passou tão rápido que quando regressamos a nós o punhal já não mais continha qualquer memória da morte. O mar nos enviou um vento úmido e a escuridão acendeu inimaginável plenitude. Nunca soubemos se era sêmen ou lágrimas o que escorria entre as linhas do vestido de cetim. Ficamos com a certeza das nódoas de maturis entrelaçadas aos cabelos. Indefectível, como uma borboleta pousada no ombro envelhecido de uma senhora para quem todos viraram as costas antes do derradeiro pôr-do-sol.
nuno g.
Campo de Marte, 09 de julho de 2025.
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