quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Teoria dos gatilhos

Estamos em setembro e todos estão muito preocupados com os suicidas.

É muito difícil mesmo lidar com as vozes dos suicidas.

Sempre mais fácil esconder-se atrás de uma bandeira amarela.

Os suicidas são os únicos que nunca vão pronunciar as mentiras que você deseja ouvir.

E nenhum ministério os silenciará.

Os suicidas não são um problema de saúde pública.

São a prova cabal do fracasso do projeto de civilização onde estamos mergulhados.

Toda escuta burocrática é surda às vozes dos suicidas.

Nenhuma bandeira amarela é suficiente ante o vento que sopra do absurdo.

Ninguém se suicida por temer a luz do sol.

O que temem os suicidas é esse temor ao escuro que serve de fundamento.

A uma sociedade que se enterra com suas próprias mãos.

E que oculta de si mesma sua própria sombra.

Os setembros amarelos são só mais uma tentativa imperfeita e violenta.

De tentar silenciar o que não pode ser silenciado

                              o que não quer silenciado

                              o que não deve ser silenciado

                              o que nunca foi nem nunca será silenciado

A verdade que ecoa nas vozes dos suicidas diz muito sobre a enfermidade do mundo.

Eis a razão pela qual a cultura as converte em tabu

                                                 as condena ao esquecimento

Procura esvaziá-las reduzindo-as à esfera do que é individual.

Ocultando em seu gesto tudo que transcende o biográfico.

Preservando-se da severa e agônica condenação que trazem à tona. 

A convivência com a dor que sustenta a existência coletiva é insuportável.

As vozes dos suicidas ignoram os meses e as cores.

O que elas exigem é a coragem de uma escuta autêntica e radical.


nuno g.

24 de setembro de 2025.


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