A ayahuasca não é um prazer fugidio, acaso ou aventura sem semente como para os wiracochas[1].
A ayahuasca é uma porta, mas não
para fugir, e sim para entrar nestas e outras naturezas. Para percorrer as
províncias da noite que não têm distância, inabarcáveis.
A luz da ayahuasca não explica,
não revela mistérios.
A ayahuasca rega a terra
desconhecida e essa é sua maneira de alumiar.
E quando se chama com urgência e
com respeito, a ayahuasca é a lâmina de uma faca de pedra. Separa o corpo da sua
alma.
Se uma alma está enferma, a separa
de sua matéria dura, nega o contágio, o empala.
A ayahuasca ensina a origem e a
localização do mal. E diz com quais cânticos, com quais ícaros[2]
o espanta.
E se o corpo está enfermo, igual.
O separa de sua alma para que não a apodreça.
Ensina também as raízes que
mantêm distantes o corpo espiritual e a alma material, separados, até que a carne
ressuscita no precioso coração da sua saúde.
E isso que parece ser nada, é
tudo.
Existem dons, existem poderes,
existem mandatos, existem raízes e sucos de raízes.
Cascas precisas para isto e
aquilo.
Certos tipos de chuva que se
bebem e também certas pedras.
Como e quando utilizá-los e prepara-los,
isso é o que sabe a ayahuasca.
E isso transfere se assim considera,
se o corpo e a alma o merecem.
Quando se sabe chamar a ayahuasca
com urgência e com respeito, não tem erro, não tem milagre, nem antes nem
depois da ayahuasca.
Existe o que merecemos conhecer,
o que merecemos ignorar.
Tudo é merecimento.
Quando se sabe chamar a ayahuasca
é fácil todo o impossível.
Porque até a cinza se converte em
água quando um sedento a beija.
Fragmento do romance Las tres mitades de Ino Moxo de Cesar Calvo.
Tradução livre: nuno g.
Versão utilizada para tradução:
https://pacarina-peru.blogspot.com/2016/11/ayahuasca-cesar-calvo.html
[1]
Divindade andina. Refere-se aqui ao fato de que no século XVI os quéchuas
designaram assim os espanhóis e, por extensão, aos estrangeiros em geral.
[2]
Cânticos sagrados amazônicos.
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