sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Ayahuasca (César Calvo)

A ayahuasca não é um prazer fugidio, acaso ou aventura sem semente como para os wiracochas[1].

A ayahuasca é uma porta, mas não para fugir, e sim para entrar nestas e outras naturezas. Para percorrer as províncias da noite que não têm distância, inabarcáveis.

A luz da ayahuasca não explica, não revela mistérios.

A ayahuasca rega a terra desconhecida e essa é sua maneira de alumiar.

E quando se chama com urgência e com respeito, a ayahuasca é a lâmina de uma faca de pedra. Separa o corpo da sua alma.

Se uma alma está enferma, a separa de sua matéria dura, nega o contágio, o empala.

A ayahuasca ensina a origem e a localização do mal. E diz com quais cânticos, com quais ícaros[2] o espanta.

E se o corpo está enfermo, igual. O separa de sua alma para que não a apodreça.

Ensina também as raízes que mantêm distantes o corpo espiritual e a alma material, separados, até que a carne ressuscita no precioso coração da sua saúde.

E isso que parece ser nada, é tudo.

Existem dons, existem poderes, existem mandatos, existem raízes e sucos de raízes.

Cascas precisas para isto e aquilo.

Certos tipos de chuva que se bebem e também certas pedras.

Como e quando utilizá-los e prepara-los, isso é o que sabe a ayahuasca.

E isso transfere se assim considera, se o corpo e a alma o merecem.

Quando se sabe chamar a ayahuasca com urgência e com respeito, não tem erro, não tem milagre, nem antes nem depois da ayahuasca.

Existe o que merecemos conhecer, o que merecemos ignorar.

Tudo é merecimento.

Quando se sabe chamar a ayahuasca é fácil todo o impossível.

Porque até a cinza se converte em água quando um sedento a beija.


Fragmento do romance Las tres mitades de Ino Moxo de Cesar Calvo.


Tradução livre: nuno g.

Versão utilizada para tradução:

https://pacarina-peru.blogspot.com/2016/11/ayahuasca-cesar-calvo.html



[1] Divindade andina. Refere-se aqui ao fato de que no século XVI os quéchuas designaram assim os espanhóis e, por extensão, aos estrangeiros em geral.

[2] Cânticos sagrados amazônicos.


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