terça-feira, 3 de junho de 2025

sob oceânicas águas

        para Néstor Perlongher & mãe Baixinha,


aéreas, indecifráveis, espessas

entremeadas por escamas finas e desdobráveis

e frágeis faíscas de um corpo em combustão espontânea

aéreas, invioláveis, esverdeadas

entremeadas por escamas coloridas e pontiagudas

o cansaço e a gravidade agem como fogo no corpo

e o arrasta aos corais submersos — ao inexpugnável céu das águas douradas

onde apenas se sente, quase como uma intuição que se desfaz,

o aroma da presença da estrela azul

aéreas, impermeáveis, remotas

entremeadas por vozes de fantasmas que não cansam de repetir:

não há mar, não há eclipse, não há arco-íris

aéreas, incansáveis, geladas e adocicadas

entremeadas por vagas memórias do palácio da Rainha

aéreas, sonolentas, ébrias

entremeadas por pequenas veredas de uma antiga floresta

e uma insistente pergunta: onde estás estrela azul, onde estás?

aéreas, aéreas, aéreas,

entremeadas por silêncios profundos

que se espraiam sobre os resquícios de uma biografia

                          sobre jardins em eterna penumbra

        onde não se registram acontecimentos

        onde tudo é impreciso e espera de uma forma

aéreas e inalcançáveis

entremeadas por insistências de um destino tão concreto quanto o mármore

        apenas as dúvidas e os peixes se sentem cômodos aqui

        apenas eles não se incomodam com a voz ébria dos fantasmas

tudo se move, tudo gira

incessante e caleidoscópico eco do sino assombroso da catedral

adocicado aroma da estrela azul

entre aéreas águas onde não reina nenhuma ordem conhecida

                                onde lógica é sinônimo de atordoamento 

                                onde reverbera a irreconhecível promessa do fósforo e do amianto

 aéreas águas, estrela azul e um coração estendido sobre a relva que se recusa a amanhecer...


nuno g.

Lima, 03 de junho de 2025.







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