O inverno chegou, as mãos do ferreiro voltaram a tocar o semblante da divindade. As onças cruzaram o mar em busca de Hermenegildo. Em busca de Judite, de Adélia e do Senhor de Todas as Feridas e Todos os Unguentos e Beberagens. À maneira de despedida o que se viu foi uma floresta repovoando as cidades. Automóveis paralisados. Engravatados paralisados. Transeuntes paralisados. Pássaros voltando do Icó trazendo ao bico a memória da cabeça de touro enterrada entre os alicerces coloniais da igreja de Nossa Senhora da Conceição. A piçarra avermelhou o céu e as águas do Banabuiú desfizeram as barreiras que demarcavam seu leito. Havia alguém chamado Luzia, outro alguém chamado Joaquim, outro alguém que veio a cavalo da Itaiçaba. Todos sabiam seu nome, mas não o pronunciavam. Chegou antes do sol na vila do Pacheco e antes dele partiu. O ferreiro, suas mãos, a floresta: tudo se movendo em direção ao semblante da divindade. Hermenegildo cruzou o mar em busca das onças e o que encontrou não houve maneira de transformar em palavra. A vida toda seria inverno e qualquer oração estaria aquém do desejável, embora cumprisse sempre alguma serventia. Adélia era toda abismo. Judite era caverna. E os pássaros do Icó nunca permitiram que esquecêssemos da cabeça de touro enterrada aos pés da Virgem da Conceição. Assim como não esqueço sua voz antes da plenitude do sonho sussurrando: ensina tuas Marias sobre sua morte. Nem quando depois da plenitude do sonho tornastes a sussurrar: ensina a tuas Marias a doce e delicada arte de morrer. Antes que o inverno se despeça espero já não mais sentir a incômoda dor de saber que jamais me será permitido pronunciar outra vez a chama do teu nome.
nuno g.
Jesús María, 07/08 de julho de 2025.
Nuno! Você me obriga a seguir teu blog! Me identifico demais com teu estilo! Aposto que gosta de Rimbaud!
ResponderExcluir