quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

memórias do Jaguar

Tia Neuza fugia da cozinha como o diabo da cruz.

A lembrança da criança despertando antes do sol para acender a lenha do fogão.

Assucena furou o pé no espinho da jurema.

Encontrei o coveiro e a cigana no último dia do ano.

Entre nós existe um fio de prata tênue e viscoso.

Entre nós existe um silêncio que nos liga.

Um leito de rio e muitas margens desdobráveis.

Os passos de Alice subindo a escada.

O pássaro laranja sobrevoando a manhã.

Lari tricotando um sonho de praia e verão.

O sol ardendo como os olhos de um dragão.

Meu tataravô era pirotécnico.

Meu bisavô era maçom.

Meu avô era espírita.

Meu pai era antiquário.

Eu sou só uma ponte entre o nada e o nada.

Entre uma ausência e outra.

Entre o mundo dos mortos e a morte do mundo.

Havia muito que dizer dos sonhos destes dias.

Mas a presença do coveiro à minha frente no último dia do ano os borrou da consciência.

Cruz das Almas é o lugar mais parecido com São Bernardo das Éguas Russas que existe na terra.

nuno g.
Toróró, 01 de janeiro de 2025
 

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