quinta-feira, 29 de maio de 2025

Conjuração dos fantasmas de 31 de maio

Chegaram das quatro regiões oníricas

Em profunda algazarra

O bando dos mares trouxe vinho em abundância

O das montanhas ervas e amuletos indecifráveis

Os filhos da terra do fogo trouxeram pequenos insetos fosforescentes

E os seres subterrâneos trouxeram sândalo, copal e grãos de areia

Reuniram-se à imensa mesa

E cantaram cânticos em línguas desconhecidas

Impronunciáveis fonéticas ecoaram em torno à mesa

Estrondos se escutaram e relâmpagos foram avistados

E o tempo se fez estático como quando nasce uma criança

Ou como quando morre uma criança

Ou como quando se enterra uma criança

Ou como quando se encerra o luto de uma criança

Ou como quando a crença gera uma trégua

Mas os fantasmas sabem que as crenças apenas insinuam tréguas

E que o luto de uma criança move um mundo

E que enterrar uma criança implica num tipo muito particular de tristeza e esgotamento

E que a morte de uma criança corrobora que o sentido do mundo é reversível

E que o parto de uma criança é a própria definição de milagre

Os fantasmas trouxeram para os meus sonhos objetos alheios ao meu desejo

E os dispuseram à mesa à revelia de minha vontade

Em estado de alegria e algazarra

Comeram, beberam e cantaram

Entoaram cânticos numa língua esquisita

De impronunciável fonética e ritmo frenético

Os primeiros raios de sol tomaram a reunião de assalto

E tudo o que conhecíamos por realidade deixou, subitamente, de existir


nuno g.

Lima, 29 de maio de 2025.

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