Chegaram das quatro regiões oníricas
Em profunda algazarra
O bando dos mares trouxe vinho em abundância
O das montanhas ervas e amuletos indecifráveis
Os filhos da terra do fogo trouxeram pequenos insetos fosforescentes
E os seres subterrâneos trouxeram sândalo, copal e grãos de areia
Reuniram-se à imensa mesa
E cantaram cânticos em línguas desconhecidas
Impronunciáveis fonéticas ecoaram em torno à mesa
Estrondos se escutaram e relâmpagos foram avistados
E o tempo se fez estático como quando nasce uma criança
Ou como quando morre uma criança
Ou como quando se enterra uma criança
Ou como quando se encerra o luto de uma criança
Ou como quando a crença gera uma trégua
Mas os fantasmas sabem que as crenças apenas insinuam tréguas
E que o luto de uma criança move um mundo
E que enterrar uma criança implica num tipo muito particular de tristeza e esgotamento
E que a morte de uma criança corrobora que o sentido do mundo é reversível
E que o parto de uma criança é a própria definição de milagre
Os fantasmas trouxeram para os meus sonhos objetos alheios ao meu desejo
E os dispuseram à mesa à revelia de minha vontade
Em estado de alegria e algazarra
Comeram, beberam e cantaram
Entoaram cânticos numa língua esquisita
De impronunciável fonética e ritmo frenético
Os primeiros raios de sol tomaram a reunião de assalto
E tudo o que conhecíamos por realidade deixou, subitamente, de existir
nuno g.
Lima, 29 de maio de 2025.
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