eis que de meus olhos correram águas de rios antigos
e não houve palha suficiente à arquitetura do ninho de febre e placenta
fixei uma aurora onde toda ternura era ausência:
eis que os vapores de uma perambulação antiga
se fizeram sentir ao entardecer
minha avó guardou as joias por anos
depois de sua morte tocou à minha tia-avó a função
até que Tempo decidiu-se por apagá-las do pesadelo
última noite no inferno:
eis que a umidade se fez memória e amor
e a nudez das crianças povoou os jardins do paraíso
uma carta, uma bala, o corpo de meu pai debulhado ao rés-do-chão
e um silêncio erguendo-se entre os escombros
uma carta, uma bala, o corpo de meu pai debulhado ao rés-do-chão
às almas o vinho que é sangue de uma arcaica teoria sobre o perdão
uma carta, uma bala, o corpo de meu pai debulhado ao rés-do-chão
e uma cor sem-nome sobre um nome que carrega em si todas as cores
amanhã visitarei o inferno outra vez
não irei só e não sei se voltarei
talvez Tempo se decida a apagar o pesadelo
ou ao menos dê passagem à voz de quem me acompanha
e permissão para que eu possa ver as joias preciosas do mistério da resignação
espero que haja chuva quando meus pés voltarem a cruzar as fronteiras da imensidão
e que os vaga-lumes não desistam de seguir acendendo escuridões
nuno g.
Toróró, 20 de fevereiro de 2025
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