Em silêncio chegou antes das nove. Serviu-se de uma xícara de café forte. Pernas cruzadas e olhar perdido no horizonte. Nos narrou seu encontro com o gato e a serpente, de como se engalfinhavam na estrada de terra e da sua cisma sobre se brincavam ou se tentavam matar um ao outro ou se faziam as duas coisas simultaneamente. Vestido de chita e algodão enfeitado com rendas e bordados. Foi a primeira vez que olhamos Efigênia, embora algo nela me fizesse desconfiar que há muito nos olhava desde algum rincão do além. Assemelhada às nuvens, cabelos emplumados e tecida em muitas rugas. Era toda silêncio e coragem, daquelas que nos exige a vida quando não mais suporta em si o desejo intenso de mais vida. Retiramos os alfinetes da mesa e servimos torradas amanteigadas de pão dormido, como quem serve certas esperanças ainda empoeiradas pelos anos em que dormiu à sepultura. Uma aranha correu no teto da casa e um vento com extensa biografia cruzou as margens daquela primeira aproximação entre seres que sabem à memória do escuro e que carregam vastidões entre as linhas ciganas das palmas das mãos.
nuno g.
Toróró, 08/11/24
Nenhum comentário:
Postar um comentário