quinta-feira, 12 de setembro de 2024

quinta-feira

Atirei mil flechas contra o sol.

O meu ódio é sagrado e reluzente.

Aprendi isso arrastando meus joelhos por léguas e léguas de solo pedregoso.

Derramei mil lágrimas no vazio da taça.

E vi a noite despencar sobre as ilusões humanas.

Servi feijão aos três irmãos.

E adorei o sol, a lua e as estrelas.

Adorei o rio, as onças e as borboletas.

Estendi no varal do horizonte o manto do Obscuro.

Entoei cânticos de sacrifício enquanto pensava em Gary Snyder em sua cabana no além.

Vivo numa época estúpida.

Cercado por ideias estúpidas nascidas de mentes estúpidas.

Devoro a estupidez da atmosfera como Alcides devorava as flores de aniversário.

Atirei mil sóis contra a primavera.

Inferno é uma singela palavra que me habituei a pronunciar com delicadeza.

O amor é sagrado e reluzente.

Como as areias de Tempo que escorrem entre meus dedos e cílios.

Assucena desayuna batata, ovo, cenoura e uvas.

Teresa vê tão longe que não alcanço.

Rude e violenta é essa obstinada tentativa de nos vender a felicidade a qualquer custo.


Alice dorme.

Larissa dorme.

Hermenegildo e o Velho cruzam a estrada de mãos dadas.

A estrada é sagrada e reluzente.

O choro de Assucena é sagrado e reluzente.

O sono de Alice é sagrado e reluzente.

O leite de Larissa é sagrado e reluzente.

O mundo é opaco, a mata é sombria.

O Ferreiro selvagem é iluminado e poderoso.

Roxo é muito mais que uma simples cor.

Toco a lama sagrada e reluzente em busca de fósseis preciosos.

E atiro minha última flecha contra o horizonte.

Em direção às águas, à palha e à voracidade de tudo que nos consome.


nuno g.

Toróró, 15 de agosto de 2024.

3 comentários:

  1. Ter a maestria de tirar poesia do cotidiano e da estupidez e caos que nos cerca é de uma beleza, delicadeza e grandeza, aquece nossos corações. Gratidão professor Nuno, por se esse poeta que consegue traduzir tanto em letras... e obrigada por sempre semear sonhos.

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  2. Ler esse poema me trouxe um pouco de alento diante do que sinto. Compartilhamos do mesmo sentimento, Nuno... "Vivo numa época estúpida. Cercado por ideias estúpidas nascidas de mentes estúpidas."

    Tenho buscado devorar a estupidez. E continuarei! Enquanto isso tentarei, assim como você, cultuar as raras e valorosas expressões de beleza cotidianas.

    Ave Nuno!

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