quinta-feira, 7 de abril de 2022

Hermenegildo

Hermenegildo cruzou outra vez o meu sonho.

Seu cavalo ainda era o mesmo.

Apesar da lança do tempo que agora trazia ao peito.

E ao despertar quase nada recordei.

Somente a conversa entre a minha tristeza e a tristeza de um amigo.

Numa praça onde quando colônia se vendiam escravos.

Um chafariz jorrando águas e machados.

E a memória de um céu amarelado por ondas vulcânicas.

As mensagens da morte nos chegando.

E Hermenegildo seguindo seu caminho.

Com seu cavalo e suas preces manuscritas.

Ainda era em tudo o mesmo.

Apesar da lança do tempo que agora lhe atravessava o peito.

Como um arabesco servindo de ponte.

Ou uma lua nova mergulhando entre o cruzeiro e as três marias.

Havia certa palidez em meus gestos.

E o sentido das coisas parecia para sempre perdido.

Entre os sedimentos porosos e as ruínas ósseas.

Uma leve brisa reacendeu meu cigarro.

E os sapos saltaram sobre as folhas de cartolina.

Não existe atalho. A ideia de salvação é um ato falho.

O laço, o chicote e as corriqueiras hesitações.

Apesar de tudo, Hermenegildo e seu cavalo seguiam sua jornada.


nuno g.

Toróró, 07 de abril de 2022.

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