terça-feira, 26 de abril de 2022

asa cálida.

Não creio em coincidências, ou melhor, as desacredito desde antes de acontecerem.

Hoje encontrei uma asa seca no Livro de Adélia.

Os tijolos de minha humilde habitação vão resistindo bem à umidade do primeiro inverno.

Assim como meu Sonho vem resistindo às cento e oitenta mutações de estações.

Meu ombro ainda dói, é certo.

E entre espirros e animais de estimação vamos inaugurando cores.

A mulher que dorme ao meu lado traz a razão no corpo.

E ainda quando bate o vento desconheço-me.

Não desacredito de crença nenhuma.

Quatrocentas e quarenta e sete vezes neguei a mim mesmo.

Nem por isso temo algarismos graúdos.

Um peixe roeu o travesseiro.

A minha dor no ombro é nada ante a ferida do ombro de Cristo.

Sou pálido, antigo e azul.

Ao mesmo tempo.

Como aqueles mapas dos livros de história.

Desconfio severamente que a morte não existe. É um embuste, uma artimanha, um artifício.

O vento proclama e sussurra.

Simultaneamente.

Alguém afagou a parede do convento.

E ela amanheceu ardendo:

Laroyê - pixado em vermelho.

Como o sangue que infla a coroa do pênis.

Levei as crianças à escola.

E tornei a pensar na Senhora de Roxo parindo todas as coisas.

A erva acabou, a chuva passou e os cães estão infectados com carrapatos.

Estranha alegria descortinando a semana.

Quebramos um prato no alvoroço do despertar.

Água, gengibre, mel e alho.

Balneária e incorruptível solidão.

Os astros bailam, meu coração também.

Este cemitério onde semeio flores de São Miguel.

Uivo e existo em sua memória.

E o Cavaleiro da Lua se apresenta com seu séquito de Senhores.

A mulher ao meu lado traz a razão entranhada no corpo.

E quando goza vira terra e calmaria.

Suportar o caminho, refazer os atalhos.

Regar o silêncio dos mortos com café amargo.

Instaurar silêncios sobre os ruídos da relva.

Não creio em coincidências.

Desacredito da morte.

Entre a pixação do convento e a asa seca entre os versos de Adélia

tudo é Sonho, Pressentimento e Ruminação.

A mulher acorda.

Me beija a boca e me diz:

os mortos conhecem todas as línguas...


nuno g.

Toróró, 25 de abril de 2022.



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