quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

O único verso, por Bento Prado Jr.

Tropecei, esta noite,

Num verso mais que estranho,

Único verso presente em todos os poemas reais

Ou possíveis de todas as línguas do mundo:

Primeiro hieróglifo, emblema de Hermes Trimegistos.

Verso em si ilegível e vazio embora necessário,

Verso perverso

Que nos condena a retornar, obliquamente,

A todos os poemas escritos até hoje,

E todos os futuros,

Um gonzo fechando,

Por dentro, um cubo hermético-metálico,

Que, mônada, espelha, em seu imo, todo o mundo externo.

Começo e fim de toda poesia,

Ou seu constante recomeçar?

Delirei, esta noite,

Um único verso,

(uni-verso),

que poeta algum jamais escreveu,

Face infinitesimal do Grande Diamante da Poesia ou do Ser,

Acesso a todos os demais versos,

Que se mostram, simul, ao leitor

Que eles próprios, nesse instante, criam.


Mas foi apenas um vislumbre:

Uma vez iluminado o Grande Diamante,

O verso volveu à sua aparente vacuidade

E dissolveu-se-lhe a cumplicidade com todos os demais,

Devolvendo-me ao ritual de meu dia-a-dia,

Mergulhando-me novamente em meu Não-Ser.


Bento Prado Jr.

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