para marialice,
querida filha – eu estou morrendo
sim, estou morrendo:
a morte caminha a passos largos em minha direção
não posso evitar vê-la colada em meu rosto a cada vez que me
olho no espelho
– será por isso que cada vez mais me recuso a olhar os
espelhos?
querida filha – é muito pouco provável que eu esteja aqui
quando você fizer quinze anos
estou morrendo: a velha senhora caminha comigo, guia meus
passos, aperta meu estômago
e não há nada que se possa fazer sobre isso
talvez as minhas mãos de passarinho possam atravessar o
umbral alguma vez
tocar tua face teus cabelos tua imaginação
talvez minha boca consiga permissão para vir te beijar
alguma vez
talvez algum verso que escrevi ilumine tua consciência
tua saudade teu rastro brilhante por esta terra escura
filha, a saudade que sinto de ti inflama minha amargura
torna ainda
mais aguda a sequidão da terra arrasada onde semeei o amor que em ti se fez
carne
filha, quando
não houver mais nenhuma festa pra dispersar a mágoa e o ressentimento
quando não
houver nenhuma distração para ocultar o apodrecimento litúrgico das flores
quando o sol
incendiar o rio onde as onças saciam a sede
quando meu
corpo for só o alimento dos vermes e das árvores do campo santo
ainda assim
estarei ao teu lado
te banharei
mais uma vez com chá de ervas o corpo
te alimentarei
com legumes cozidos ao vapor
te ensinarei a
sabedoria das sementes que devorei na calmaria das tardes
querida – estou
morrendo e nada pode ser feito contra isso...
Cachoeira, 24
de janeiro de 2016.
Amado irmão, este poema me atravessa feito flecha sorrateira, tenho estado materialmente em pens-ações acerca dessa... tese... talvez não veja Elena chegar aos 10...
ResponderExcluirPoets ultrapasse as dores e sucumba o terror
ResponderExcluirPoets ultrapasse as dores e sucumba o terror
ResponderExcluirforte
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