sexta-feira, 7 de outubro de 2022

angústia.

Hoje mais um Yanomami foi morto a tiros.

As fronteiras da expansão colonialista seguem sob as mesmas regras de antanho.

O vale-tudo do genocídio do século XVI voltou à flor da pele da história.

Os representantes do colonialismo interno decidiram abandonar o pudor.

Assumiram abertamente o fascismo como forma política legítima.

O teatro dos arrependidos não nos comova nem nos ilusione.

Neoliberalismo econômico.

Neopentecostalismo religioso.

Racismo cultural, vulgaridade estética e pseudonacionalismo.

Todos se juntam para salvar a democracia.

Todos agora se veem obrigados a apoiar o partido dos trabalhadores.

Envergonhados e estratégicos.

Esperaram a eleição de um fascista.

Esperaram quatro anos de um governo fascista.

Esperaram o segundo turno.

Esperaram a eleição dos piores para o senado e a câmera.

Esperaram para negociar uma vez mais.

Esperaram para garantir que o governo do partido dos trabalhadores não mudará nada.

Apenas salvará o sistema das garras do fascismo.

Hoje a iminência de um conflito nuclear mundial é maior que em todas as décadas passadas.

E isso soa até esperançoso.

Quase revolucionário.

Como levantar e sair de casa num país em que 43,2% das pessoas se assume fascista?

Todos armados. Todos donos de si.

Narcisistas admirando no espelho do palácio da alvorada a imagem refletida de sua própria ignorância.

Arrotando preconceitos e má-fé.

As aldeias infestadas de pistoleiros.

As universidades acossadas pela falta de verba e por uma desconfiança de tudo que seja saber.

Os piores venceram. Os que permitiram sua vitória agora se chegam marotamente.

Talvez percebam que as forças que despertaram escapam ao seu controle.

Quando João Batista Figueiredo sancionou a lei da anistia começou a semear o hoje.

Alimentaram o Inominável décadas esbravejando atrocidades no parlamento.

Agora fica claro: era preciso ter à mão um projeto autoritário.

Caso algo desse errado sempre teriam a quem recorrer.

Recorreram.

Aqui chegamos.

Uma pequena parte é só ignorância, três por cento talvez.

O resto é isso mesmo: identidade de valores.

Fetiche militarista e ódio a tudo que remeta às memórias que nos fazem ser o que somos.

Os de Canudos tinham razão.

Os do Caldeirão também.

Nem pra guerra esse rincão parece servir, mas um dia chega.

A corda tá esticada.

Aqui e na Ucrânia.

Estamos todos doentes, faz tempo.

Enquanto houver fé, terreiro e poesia haverá esperança.

Mais cada vez temos menos fé, menos terreiro e menos poesia.

Tudo é negócio e no mundo dos negócios outra vez vale-tudo.

Como no século XVI. 

Conquistadores e bandeirantes.

Já esquecemos o estardalhaço que foi quando pixaram a estátua do Borba Gato?

Já esquecemos o vigor da nossa polícia defendendo os relógios da globo nos 500 anos?

Hoje o país acorda com mais armas e menos livros.

Universidades ameaçadas de fecharem por não poder pagar conta de água e de luz.

Aldeias indígenas invadidas por garimpeiros e pistoleiros.

Agronegócio não é ecológico, é óbvio e ululante.

No século XVI se debatia o direito à escravidão, hoje também.

No século XVI se discutia se os outros tinham alma, hoje também.

A classe média se move atarantada.

Os setores algo esclarecidos das elites tem esperança.

Eleger o partido dos trabalhadores em condições tais que não possa governar.

Refém do agronegócio.

Refém dos banqueiros.

Refém da miséria moral e estética da massa evangélica.

Refém de si mesmo e de sua política de alianças perpétuas e negociações espúrias.

É só mais um capítulo de um longo massacre.

Haverão outros, caso a hecatombe nuclear não se concretize.

Aqui na matéria, com a visão turva como é toda visão da matéria.

Parece mesmo ser o fim de alguma coisa que não sabemos nomear.

Todo fim é também um começo.

Assim como toda morte é um nascimento.

A democracia morreu pela sua própria incapacidade de isolar os que a ameaçavam.

A tolerância aos intolerantes nos trouxe até aqui.

Talvez esteja próximo o tempo em que o céu desabará sobre nossas cabeças.

Que neste tempo não haja anistia, nem esquecimento.

E que os que estão nesta guerra há cinco séculos nos ensinem a sobreviver e a manejar as armas.


nuno g.

Toróró, 07/10/22.



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