domingo, 11 de setembro de 2022

as três estrelas.

para Larissa Gonçalves, Bruno Gonçalves e Maria Alice Gonçalves 


Foi uma cigana que me disse:

meu filho vai enfrentar demanda difícil,

mas vai vencer.

Três anos depois a mesma cigana.

Batendo fotos no estacionamento de um centro comercial.

Nos guardamos na casa de uma filha das águas doces.

E vimos a lua de prata e fino entendimento.

Os aviões fazendo a volta antes de zarpar ao sul.

E o som do mar ecoando no espelho de Tempo.

A voz de Milton ainda no corpo.

A voz de Deus.

A voz de Miguel, o Archanjo.

A voz de Yauaretê. 

A voz de Iararana. 

A voz da Sussuarana.

A voz do jaguar encantado.

A voz dos sonhos e da infância.

A voz das onças e de Aracati.

Dormimos num motel.

Mas não fizemos nada do que se espera daqueles que dormem em motéis.

Dormimos apenas.

E eu não pude recordar dos sonhos que tive aquela noite.

Menos ainda esquecer quão importante eles eram.

Escutei os sonhos dela.

Sobre carros, avós e confirmação.

Obrigado Milton.

Obrigado Cigana.

Obrigado povo das águas.

Em tempos de dependência e morte.

Só sobreviverá o que for amor.

O resto será já cinzas e esquecimento.

Quando as três estrelas iluminarem outra vez a escama da praia.

O resto será já passagem feita.

Ex-voto. Ex-corpo. Ex-memória-da-escuridão.

A voz de Milton. O trem de ferro.

As palavras rearranjadas de forma a expressar uma imensurável amplidão.

Obrigado Milton.

Eles todos passarão.

Você não. Você nunca.

A voz de Dom Pedro Casaldáliga.

No quilombo. Na aldeia. No terreiro.

Nas três estrelas que iluminam as ruínas dessa nação.

A voz do Jequitinhonha.

A voz do Araguaia.

A voz do Jaguaribe.

Eles todos passarão.

Sua voz não.


nuno g.

Toróró, 11/09/22

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