quarta-feira, 21 de outubro de 2020

máquina de moer recordações

recolhemos os farelos de ódio à sombra
e onde antes as grandes perguntas
agora só a mesquinharia burocrática dos torpes
a miséria do espírito se propaga vertiginosamente
e nós tentamos retirar nossas cabeças do berço da guilhotina
Eles nos guiam. Eles nos exigem a fé.
o intolerável está por todos os lados.
meus olhos de gavião não apodrecem nem mesmo depois de terem morrido incontáveis vezes.
excluímos juntos qualquer saudade do dicionário.
também excluímos tudo o que já não estivera vivo no canto das onças.
recolhemos os farelos de ódio à sombra.
mastigamos carvão.
e como numa película ainda inédita
atravessamos o umbral e todas as conversações que mantem os mortos entre si.
do outro lado a pedra angular e o fundamento do Tempo.
a ferida de Silvio, o miado de Judite.
O sono de Maria.
recolhemos todas as mentiras que nos contaram.
recolhemos todas as calúnias e difamações que sofremos.
recolhemos todas as sementes que não frutificaram.
seja pela aridez do solo.
seja pela imperícia das mãos.
recolhemos os farelos no alforje.
vimos as caças passeando no jardim.
abandonamos os moribundos nos leitos hospitalares.
recolhemos o silêncio que não prescreve.
os desejos que não cessam.
as feridas que não curam.
os amores que não chegam.
compramos veneno para piolhos. compramos sexo nos confessionários.
e rezamos ao silício para que não nos traga mais nenhuma novidade.
qualquer farelo nos basta nesta hora de provação.
no alento do mito gravita o futuro desta civilização que se enterra com as próprias mãos.


nuno g.
Toróró, 21 de outubro do fim do mundo.

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