segunda-feira, 3 de outubro de 2016

poema sem começo & sem fim



I.

hare krishna hare daime hare dharma
ogum guerreia contra o exército invencível de kali yuga
carros de som mendigando comprando extorquindo votos
o rio, alheio, respira a saudade que canta para meu coração
nas várzeas do Jaguaribe: teus olhos sorriem ao som dos stooges:
as mães são fascinantes: seja quando seduzem, seja quando se matam
as crianças tomam banho no quintal
a neta do velho punk que um dia homenageou a rainha britânica com uma pistola de sexo
ilumina teu banho
perfuma as águas que minam de teu corpo hacia minha sede...
ônibus incendiados ao norte do cais da ilha
g. se recusa a ir caminhar na praia
escrevo um poema sem começo & sem fim
reinvento minha pele invocando tuas aparições em meus sonhos
me reúno ao aprendiz de bruxo em sua memorável escalada ao popocateptl
em seus passeios circulares pelo inframundo
as crianças seguem se divertindo no quintal
sigo escrevendo o poema sem começo & sem fim
o ruído dos carros segue implorando votos
a nudez deste sábado te converteu num mantra recitado às margens de um paraguassú
com trejeitos de jaguaribe...
araçagi: que essa oferenda de tiquira dendê e baião-de-dois
abra nossos atalhos, nossas veredas:
que as divindades sertanejas
– arcaicas, obscuras, indecifráveis, ásperas, enigmáticas & incoerentes –
abençoem e protejam as clareiras & capoeiras abertas nas várzeas
no mar de carnaúbas
nos olhos das oiticicas
na chama de querosene:
língua bifurcada do candeeiro...

II.

este poema é para ti e para qualquer resquício de teu ceticismo
esse poema é o ácido que dissolve hesitações e afugenta receios
esse poema é uma chuva de pétalas de açucenas sobre teus cabelos bagunçados pelas minhas    
                                                              mãos
este poema é um casarão de pedra que construí para ser vossa mais agradável morada
             – delicado abrigo de teu sutil encantamento –
esse poema é uma nuvem de borboletas amarelas bendizendo teus passos na escuridão
esse poema é o antídoto exato para a melancolia de tuas domingueiras tardes nas terras do
                                                               açaí
esse poema é uma engrenagem que num passe de mágica abole a distância que nos separa
esse poema é uma praia banhada por água doce estendida aos teus pés
este poema é o sol que acaricia teu corpo
este poema é o sal do desejo consultando as varetas de caule de milefólio
       sobre o momento propício para se misturar ao teu mel
esse poema é minha maneira de te amar devagarinho
esse poema é o canto de minha sede e o onírico labirinto onde aprisionaram a deusa
                                          veneração
este poema é um tucano sobre um mandacaru ou um cardeiro ou um galho de ipê florido
que semeei em teus cílios ou em teus lábios num instante
de infinita felicidade & absoluta distração
este poema é teu gozo sussurrando:
sofrendo de urgências meu poeta?
esse poema é um conto sufi extraído do sermão proferido por sidarta gautama
       nas ruínas do himalaia
esse poema é a memória e a redimissao de uma noite solitária entre os guarás rosados
       de uma Alcântara silenciosa em que o único que se escutava
       era os estalos os gemidos os sussurros de um casal de estranhos
       fodendo no chalé ao lado...

III.

meu coração é um oráculo em erupção...
ternura, carinho e desejo beirando tuas tardes...
meu coração é as velas do mucuripe saindo pra pescar...
meu coração é um colibri andino recitando chelsea girl acompanhado
     por um cortejo de improváveis quenas...
meu coração é as crianças brincando de índios fazendo transações com gnomos & bruxas...
meu coração ...
meu coração...
meu...


cachoeira, 01 de outubro de 2016.
nuno g.

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