meu coração é maior que o seu silêncio
meu coração veste negro e justamente por isso ilumina os
jardins por onde passa
meu coração, almirante louco que abandonou a profissão do
mar,
marchou com os pais de ayotzinapa uivando i wanna be your dog
comendo peyote tomando ayahuasca &
roubando flores & sorrisos & sussurros & gemidos
meu coração, náufrago descansando na pedra delicada da ilha
de nauro,
segue correndo como um personagem de dostoiévski
em busca de um concerto de patti smith
dizendo sim a todas feridas a todos os enigmas a todos os
feitiços a todos os desejos
meu coração – que tanto anseia estar junto a mauricio babilônia
y meme buendia –
sempre desejou multiplicar-se por séculos a fio
estar em todas as estrelas das noites minguantes
ser todos os cavalos dos reinos dos sertões minerais
e seguir escrevendo poemas seguir fumando maconha e
seguir seguir seguir...
...nos passos de augusto dos anjos de cruz & souza de rimbaud
de sergio mondragón
meu coração é amarelo como os olhos de oxum
meu coração é mais vasto que o coração pálido e burocrático
de...
lou reed, os momentos mágicos ocorrem para todos
mas não ocorrem todos os dias...
lou reed, new york é todas as cidades
mas nem todas as cidades são new york...
meu coração é um dragão meu coração é um abutre verde
vomitando escarrando esporrando
sobre essa colina onde semeamos nossas mais preciosas ervas
onde semeamos as papoulas
& os venenos & os feitiços
onde os olhos de nossos inimigos estão cegos
onde ressuscitamos o amor a ilha a sede & a nossa sagrada
fúria
o nosso desespero a nossa insanidade
o outro lábio de nossa entrega
todos os pontos cardeais na sola de meus pés
todos os delírios nessa noite em que a cidade das mil
muralhas se vestiu de branco
todos os orgasmos neste poema todos os desertos
com seus assassinos fumadores de haxixe
todas as angústias todas as delicadezas todas as sombras e
toda
a minha sede insaciável se afogando no seu mel
todas minhas carícias abrigando o seu corpo
todas minhas brisas refrescando seu plano de ação de aceiros
versus queimadas criminosas
todos os animais do cerrado todos os pássaros todos os ipês
piscando seus olhos em direção a mim
enquanto um tamanduá
encara uma onça
& afugenta definitivamente qualquer sombra do ano que
não teve começo que não teve fim...
meu coração: as luciérnagas, as mariposas, os alacranes...
meu coração é uma mesa posta:
faca, queijo, vinho
& flores de marijuana:
sirva-se, apenas sirva-se,
como se não acreditasse no futuro e nem nas mentiras que
todos contamos a si mesmos
agarre a seda com força – mastigue o coalho, beba o néctar
das uvas
a minha língua sonha os teus sonhos
a minha língua espreita o pequeno sinal em sua virilha
a minha língua – bifurcada como os mellizos da fábula –
convertida na devoção de minha saliva ao teu sal...
…glória – because the night – gloria...
fortaleza de nossa senhora da assumpção
tuas memórias, minha escuridão...
fortaleza...
meus joelhos outra vez sangrando de tanto chão
meus cílios acesos em serenata em devoção
ao azul do karma de tuas pálpebras – perdão, se ainda não as
conhece...
tuas sobrancelhas inaugurando um novo arco-íris (horizonte
sem forma)
sobre este continente perdido ingênuo & sanguíneo
sobre meu coração
sobre esta noite de segunda-feira e de tremenda oração
sobre o alívio de todos os que deixaram para trás os medos
sobre a minha vontade de te devorar
sobre teu corpo tua alma teu sono
abrigados a mil setecentos e setenta e sete quilômetros do
não-lugar onde escrevo estas palavras
sobre nosso hálito & sobre os dez anos que circulamos
em órbitas alheias
sobre este poema sobre as armas que já se transformam em
passado
sobre o fumo sobre as cinzas sobre a carne sobre
os nervos de todos os prisioneiros
meu transe seja teu transe
meu delírio seja pétalas de lírios brancos chovendo sobre
teu ceticismo
seja canção repouso & abrigo
de um coração que por um só instante acreditou que essa
cidade poderia ser uma ilha
nos verdes mares de um pacífico oceano...
meu coração é só mais um entre tantos corações que vestem-se
de negro
e gritam baixinho:
i wanna be your dog...
nuno g.
cachoeira, 26 de agosto de 2016. 22:27 pm.
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