Noêmia sonhou com os três porquinhos.
Assim me narrou Bernardo ao amanhecer.
Rezo à Adélia - como se minhas mãos fossem sândalo.
Penso em Ogum Beira-Mar.
Penso em Ogum-Iara.
Penso em Ogum Megê.
Penso em Ogum.
A mulher que dorme ao meu lado tem a razão no corpo.
Assim como eu tenho a escuridão e a rutilância.
Ela me ensina uma foto de Francine.
Remoçada. Jovial. Renascida.
Me alegra a alegria dos que cruzei ao caminho.
Penso no Sétimo e no seu reino do sertão.
Me revelando seu nome em sonho.
E soltando gargalhadas de marfim e calcário.
Rezo à Adélia - como se minhas mãos fossem parafina.
O horror está em todos os lados.
Penso na Pombagira entoando canções ciganas.
Só a poesia importa - o resto o sol da morte dissolve todos os dias.
A mulher que dorme ao meu lado tem a razão no corpo.
Assim como eu tenho uma infância mergulhada em mentiras e covardia.
Chove. Chove. Chove.
Chove e falta água nas torneiras e nas descargas.
Penso em Ogum e rezo à Adélia.
Quem sabe Ele também em sonho me revela Seu nome.
Todas as perversões entregues ao dicionário da noite.
A moça que vende café preto e mixto quente.
A moça simples que vende broas de milho.
Ser mulher é ser bruxa.
É trazer dentro a força que resiste à nadificação.
Rezo à Adélia - como se minhas mãos fossem espumas.
Ouço o Sétimo gargalhando no sertão.
Recordou o sonho em que me revelou Seu nome.
Recordo o hálito de cachaça, benção e proteção.
Soterrado vivo - meu coração dispara como um cavalo.
Meio-irmão dos raios, meio-irmão dos trovões.
Penso em Rimbaud - o poeta é mesmo um místico selvagem.
Avesso às amarras de qualquer doutrinação.
Entregue à semântica das tempestades.
Nas curvas que sobem a serra duas placas chamam a atenção.
Pastel do Alemão - em negro e vermelho.
Deus julgará a todos - em amarelo-ouro.
A cidade do Senhor de São Félix fica para trás.
Penso em Artaud entre os tarahumaras.
Buscando ressuscitar divindades em seu gélido coração.
A mulher que dorme ao meu lado tem a razão no corpo.
Sonha com Miguel - como eu sonhei algum dia.
Chove. Faz frio. E falta água nos canos.
Meu Ori sente a irresistível atração do Orum.
O Ayê me quer aqui.
nuno g.
Toróró. 27 de julho de 2022.