segunda-feira, 18 de julho de 2022

Orum

para Serena Assumpção,

I.


Nasci em cidade nenhuma.

Nasci em um rio.

Entre ferros d'água e espelhos de pedra.

Nasci às margens e às avessas.

Como uma pluma sem cão.

Uivando em dialeto acalanto.

Nasci como nascem as ilhas.

Num instante de distração do rio.

Mãos dadas ao escuro.

Olhar posto à imensidão.

Nasci mil vezes em uma só vida.

No rio onde nascem todos os rios.

No rio onde nascem todas as ilhas.

No rio onde as águas estão em permanente estado de distração.

Às avessas. Às margens.

Como uma pluma sem a ferocidade do cão.


II.


Não quero mais estar aqui.

Mas sigo.

Penso nos meus filhos no Orum.

Penso nos meus pais no Orum.

Penso no Orum.

Mas sigo.

Entre mares de azeite e encruzilhadas de farinha.

Com a precisão com que se movem as ruínas de um engenho.

E sigo.


III.


Beira-fogo, sina, artefato.

Na minha morte meu corpo coberto de sementes e nada.

A matéria cega devolvida à terra.

E o meu espírito à imensidão.

Orum.


nuno g.

Cachoeira, 17 de julho de 2022.

3 comentários:

  1. Opa, Nuno! Como que cê tá? Mioto bom! Estive no MuIta por esses dias no CCSP. Vi um quadro que fizeram da Serena e do Itamar. Compõe a bela exposição. Por sinal, meu aniversário é 17 de julho! Abraços, sua amiga baiana que o México uniu💛

    ResponderExcluir
  2. acordei pensando em ouvir serena, abri o meu e-mail e tinha esses poemas

    ResponderExcluir
  3. Para Serena todos os dias... O Ayê ainda ama do Poeta dos Sertões... Fique!

    ResponderExcluir