sábado, 20 de fevereiro de 2021

Das coisas que me diz o fogo ou dos sonhos que sonham as pedras

neste manto azul de entendimento e abertura

nesta terra-terra de formigas e assentamento

neste céu-sem-dogma, nesta carne que cura e treme

neste manto azul de espera e fundação

neste fogo-fogo que consome e arde

neste esquecimento, neste cume do esquecimento

nestas veias e artérias, neste sangue que corre,

nestas três árvores, nestes indícios de soberania

nesta carne que se ressente e que caminha

entre enxames de vespas & abelhas

neste manto azul, que aos teus olhos apareceram

entre os ínfimos grãos do sétimo infinito

às margens das margens do reino de Tempo


nuno g.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

INTERPRETAÇÂO, por Mourid Barghouti

Um poeta escreve num Café

A velha pensou que escrevia uma carta para a mãe.

A adolescente, que escrevia para a namorada.

O menino, que desenhava.

O comerciante, que planejava um negócio.

O turista, que endereçava um cartão postal.

O contador, que calculava suas dívidas.

O homem da policia secreta caminhava lentamente em sua direção.


Mourid Barghouti

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O Canto, por Antônio José Bezerra - o pajé

Eu canto a paz, que emana do coração
No oásis do sertão não posso cantar a dor

A linda flor que perfuma alegria
Conserva toda energia dessa terra de amor

Eu canto as matas
Canto os rios
Canto as fontes
Canto baixios e montes
Canto a luz do sol e sou

Uma semente que germina esperança
Que rega toda criança dessa terra que brotou

A tua essência é de quinta dimensão
Ilumina a escuridão do ser que não despertou

Pra uma conquista de luz em tempo passado
Cariri consolidado
Força do interior

Eu canto as matas
Canto os rios
Canto as fontes
Canto baixios e montes
Canto a luz do sol e sou

Uma semente que germina esperança
Que rega toda criança dessa terra que brotou
Que rega toda criança dessa terra que brotou
Cariri consolidado
Força do interior

Antônio José Bezerra - o pajé.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

À BEIRA-MAR — por RABINDRANATH TAGORE

À beira-mar de mundos infinitos, se encontram as crianças.

O céu infinito está imóvel sobre suas cabeças e a água inquieta é tumultuosa. À beira-mar de mundos infinitos, as crianças se encontram com gritos e danças.

Elas constroem suas casas com areia, e brincam com conchas vazias. Com folhas murchas tecem seus barcos e sorridentes os flutuam no vasto abismo. Crianças brincam à beira-mar de mundos.

Elas não sabem nadar, elas não sabem lançar redes. Pescadores de pérola mergulham em busca de pérolas, os comerciantes velejam nos seus navios, enquanto as crianças juntam seixos e os espalham novamente. Elas não procuram tesouros escondidos, elas não sabem lançar redes.

O mar sorrindo se levanta em ondas, e pálido brilha o sorriso da praia. Ondas ameaçadoras e mortais cantam baladas sem sentido para as crianças, como uma mãe enquanto balança o berço do seu bebê. O mar brinca com as crianças, e pálido brilha o sorriso da praia.

À beira-mar de mundos infinitos, se encontram as crianças. A tempestade vaga no céu sem caminhos, são destruídos navios na água sem rastro, a morte está nos países distantes, e as crianças brincam. À beira-mar de mundos infinitos é a grande reunião das crianças.

RABINDRANATH TAGORE

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

***

No hay nada que temer. 

No hay nada que esperar. 

Siempre se está más o menos vivo. 

Siempre se está más o menos muerto.


César Vallejo in Contra el secreto profesional.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Do espaço em direção a cá, como dois tempos - por Stella Díaz Varín

A noite,

deslocada como asa de um cetáceo ferido.

Amortalhada sempre que a pupila negue sua orfandade.

Mar pomposo e grotesco seio;

quando a claridade se faça em mim

não necessitarei de vossa amada boca,

não necessitarei do meloso solilóquio de tua vertigem.

 

 

Me tens, como um peixe à sua escama,

miseravelmente unida a ti,

levando-te como uma criança canibal ao peito de sua mãe.

E não hei de desperdiçar hora, para maldizer

tuas parições de planetas fosforescentes

que vomitas ao meu lado sem nenhuma delicadeza... ...

 

Esquecida como árvore do deserto,

onde transplanta o viajante seu êxtase sem experiência,

feliz de abandonar o barco,

desejando encontrar na terra

a veia misteriosa da felicidade.

Navegante audaz,

dissociador do mar e da terra,

veia obscura será teu caminho em direção ao infinito!   

 

Quem, senão o esquecimento,

quem senão a medida de uma juventude posta de lado,

vem em minha ajuda agora.

Agora que tenho aprendido a pronunciar palavras

contra Deus e seus signos

e me ajoelho de hipocrisia ante os conhecidos.

Quando em ângulo reto junto à uma porta

espero a palavra de boa vinda.

E só escuto dentro, ruído de copos

cheios de um vinho generoso que jamais provarei...

 

Existem continentes simples, de um só país

com cidades elementares e casas de um piso

onde poderia me abandonar

e às cegas buscar o ócio e suas virtudes.

Mas a lembrança apenas de tão buscado lugar,

me pinta à cara um gesto de asco.

 Como se penetrara à habitação do amor

e me encontrara com três cadáveres

ante uma janta inconclusa de ostras descompostas –.


Stella Díaz Varín

tradução: nuno g.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

ENSÉÑAME A BAILAR, por Roberto Bolaño

a mover mis manos entre el algodón de las nubes
a estirar mis piernas atrapadas por tus piernas
a conducir una moto por la arena
a pedalear en una bicicleta bajo alamedas de imaginación
a quedarme quieta como estatua de bronce
a quedarme inmóvil fumando Delicados en ntra. esquina
los reflectores azules del salón van a mostrar mi rostro
goteado de rimmel y arañazos, ustedes van a ver una constelación
de lágrimas en mis mejillas, voy a salir corriendo
enséñame a pegar mi cuerpo a tus heridas
enséñame a sostener tu corazón un ratito en mi mano
a abrir mis piernas como se abren las flores para el viento
para sí mismas, para el rocío de la tarde
enséñame a bailar, esta noche quiero seguirte el compás
abrirte las puertas de la azotea
llorar en tu soledad mientras desde tan arriba miramos
automóviles, camiones, autopistas llenas de policías y
máquinas ardiendo
enséñame a abrir las piernas y métemelo
contén mi histeria dentro de tus ojos
acaricia mis cabellos y mi miedo con tus labios
que tanta maldición han pronunciado, tanta sombra sostenido
enséñame a dormir, esto es el fin.


Roberto Bolaño

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

O único verso, por Bento Prado Jr.

Tropecei, esta noite,

Num verso mais que estranho,

Único verso presente em todos os poemas reais

Ou possíveis de todas as línguas do mundo:

Primeiro hieróglifo, emblema de Hermes Trimegistos.

Verso em si ilegível e vazio embora necessário,

Verso perverso

Que nos condena a retornar, obliquamente,

A todos os poemas escritos até hoje,

E todos os futuros,

Um gonzo fechando,

Por dentro, um cubo hermético-metálico,

Que, mônada, espelha, em seu imo, todo o mundo externo.

Começo e fim de toda poesia,

Ou seu constante recomeçar?

Delirei, esta noite,

Um único verso,

(uni-verso),

que poeta algum jamais escreveu,

Face infinitesimal do Grande Diamante da Poesia ou do Ser,

Acesso a todos os demais versos,

Que se mostram, simul, ao leitor

Que eles próprios, nesse instante, criam.


Mas foi apenas um vislumbre:

Uma vez iluminado o Grande Diamante,

O verso volveu à sua aparente vacuidade

E dissolveu-se-lhe a cumplicidade com todos os demais,

Devolvendo-me ao ritual de meu dia-a-dia,

Mergulhando-me novamente em meu Não-Ser.


Bento Prado Jr.