terça-feira, 20 de julho de 2021

Aboio

                       Para Antonio Cornejo Polar

Iansã tangeu os eguns

Iansã tangeu os eguns

Iansã tangeu os eguns

 

Meia-lua, sol de boiadeiro,

Redemoinho e azul,

O sol, dourado, se esparramando no pasto,

A montanha, ferida

e os três chicotes no interior vazio do cálice.

domingo, 18 de julho de 2021

Dicionário

Minha alma correu grandes perigos ontem à noite.

O cavaleiro Azul me estendeu a mão e me salvou.

Voltei onde nunca tinha estado.

E vi coisas que não deveria ter visto.

E, por isso, jamais as poderia esquecer.

Minha alma atravessou grandes perigos ontem à noite.

O cavaleiro Azul me ergueu do chão e fez brotar raízes dos meus pés.

Voltei. Agradeci. Não esqueço.

Abri as asas e regressei para onde sempre estive.

O cavaleiro Azul sorriu.

E minha alma girou sobre o chão do terreiro.

Vulcões, terremotos, tempestades.

Minha alma pediu socorro e o cavaleiro Azul veio.

Com sua lança prateada e sua legião de crianças e cavalos.

As coisas que vi não sei narrar.

As palavras me escorrem como o sangue do galo sacrificado.

Vulcões, terremotos, tempestades.

E o cavaleiro Azul desencantado.

Minha alma caminhou até a fonte de águas doces.

Saciou sua sede e seguiu sua fiel jornada.

 

nuno g.

Toróró, 18 de julho de 2021

sexta-feira, 16 de julho de 2021

A farofa, o dendê, os pífanos

Dentes trincados, velas acesas.

Corpo de luz, Leminski à vitrine.

Esboço de amarelo mofado.

Algodão aos pés da tropa.

Ouro em pó e distância.

Velas acesas, dentes trincados.

Amanhecer de.

Esboço de carne e pássaros.

Terra devastada e.

Corpo de luz, vitrine devassada.

Em vão, ou quase.

Como se o som da noite fosse o vento de UAKTI.

Atravessando meu corpo de pífano desregrado.

A lua no céu, sorriso do gato.

Esboço do Nada.

Ponto riscado, azul de ilha.

Esboço, arco e.

Ciranda. A gira. E o lastro.

Removo a argila.

Cavalo castanho na beira da praia.

Ele chega. Me sagra.

E a gira segue nas pancadas do mar.

 

nuno g.

Toróró, 16 de julho de 2021.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

O cálice e os três chicotes

A lei. A lei. A lei.

O galo e o enforcado.

E o meu sonho de sempre sobre o meu rosto antes do nascimento.

Refletido na água.

Cravejado com espinhos de ferro & aço.

Brilhando na noite da mata.

Em meio às estrelas e aos dentes de minha mãe.

A lei. A lei. A lei.

A primavera se abrindo com o sangue do galo.

Gotejando na carta do enforcado.

A lei. A lei. A lei.

E o meu rosto de sonho sempre antes do nascimento.

Cavalgando Eleguá, o cavalo de pedra.

E sua crina lambuzada de mel.

Entre os seios e as coxas de minha mãe.

Como se na carne uma fenda aberta à outra carne.

E no coração do mistério um abismo a outro abismo.

Gotejando nos caules de milefólio.

A lei. A lei. A lei.

O galo, o sonho, o enforcado.

Sempre.

O Azul caminhando ao meu lado.

Com sua espada de metal e a serpente.

Um olho tatuado dentro do olho.

Como a noite e o rastro das asas.

O inverno, a seca, o rio que morre e renasce.

Fogo-fátuo ante o palácio dos eguns.

Meu dicionário, meus medos interditados.

A lei. A lei. A lei.

A testa toca o chão ao som do atabaque.

Meu rosto é o mesmo de sempre.

Meu rosto antecede meu nascimento.

O sangue do galo pinga sobre o metal da espada.

A lei. A lei. A lei.

Dentro do cálice os três chicotes trabalham.

A forja Dele. A crina de mel. O silêncio do outono.

A memória do curry e do shoyu, a fonte.

Todos os quintais vão se abrindo.

Escadas e jardins e escadas e jardins e.

Não há mais esperanças:

A vida pode finalmente florescer em paz.

 

nuno g.

Toróró, 12 de julho de 2021

sexta-feira, 2 de julho de 2021

CARTA DA VOLTA, Revista Pindaíba

 Recomeça....

 

Se puderes

Sem angústia

E sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro

Dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances

Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.

 

E, nunca saciado,

Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.

Sempre a sonhar e vendo

O logro da aventura.

És homem, não te esqueças!

Só é tua a loucura

Onde, com lucidez, te reconheças...

              Miguel Torga

 

 

Saudações pindaibísticas!

Comparsas, a esfera voltou a girar! Em  2021 a revista Pindaíba completa 18 anos. Quatro edições publicadas e uma quinta prestes a ir ao prelo.

 

Há cinco anos lançamos a quarta edição e concluímos que já bastava. A Pindaíba deveria morrer pois fazia parte de um tempo que deixou de ser. Observamos as mudanças profundas que estavam acontecendo no mundo e também ao nosso redor, no nosso reduzido universo das relações próximas e pessoais... O velho Benfica dos anos 90 e começo dos anos 2000 (quando começamos) com seus bares de esquina e butiquins; o Brasil da era Lula e PT; a América Latina com seus governos nacionalistas e populares não mais existiam. Tudo se desfazia no ar e um novo mundo, com perspectivas sombrias, se manisfestava. Portanto, entendíamos que a quinta edição seria a derradeira. Se ainda teimássemos em fazer revista deveria ser uma outra, com novas características, que refletisse os “novos tempos”...

 

Embalados pela ideia da Morte da Pindaíba, logo organizamos a nova e última edição. Nos reunimos na Praça João Gentil, decidimos sobre o caráter da coletânea de contos e poemas, deliberamos sobre as matérias, recebemos os textos, criamos o projeto gráfico e fizemos a diagramação. A ideia era lançar ainda no ano de 2017. No entanto, como não poderia deixar de ser, a vida surpeendeu: nesse ano perdemos um comparsa muito querido, pindaibeiro mor, pelo seu modo de ser e encarar a existência; Carlos Jorge encarnava, como ninguém, o espírito contestador da Pindaíba. Para além, CJ  representava esse velho Benfica onde costumávamos nos perder noites afora, esse Benfica que havia passado. Ao meu ver, CJ  é o símbolo maior, pelo menos para nós pindaibeiros, dessa era de sonhos etílicos, de brisa e madrugadas marginais.

 

A partida inesperada de nosso amigo causou um refluxo. Os encontros na praça pararam de acontecer, a produção da quinta edição passou a operar em modo “banho-maria”, a esfera parou de girar... Essa paralisia perdurou até o fim de 2019, quando ventos de entusiasmo voltoaram a embaralhar nossas cabeleiras. Reavaliamos a ideia de matar a revista e a desconsideramos totalmente. PINDAÍBA VIVE! passou a ser nosso lema, o oposto. Avaliávamos agora que a morte já havia levado seu tributo; já tínhamos perdido o CJ. A Pindaíba não cederia mais nada à senhora contratante de Caronte, pelo menos não agora. Essa retomada merecia uma celebração. Organizamos uma confraternização de fim de ano na saudosa casa do Manoel, no Benfica, com a convicção de que no primeiro semestre de 2020 a revistinha seria lançada. Ledo engano. Mais uma vez a vida veio e nos deu uma rasteira. Iniciava-se naquele ano a Pandemia do Corona Vírus, acentuada aqui no país pela  nefasta polítca do flagelo Bozonazi e as serpentes golpistas. Tivemos que estacionar a esfera mais uma vez. Algo muito mais urgente requeria nossa atenção.

 

Pois bem, após esse histórico, me permitam afirmar que uma nova oportunidade se apresenta.  O povo tá ocupando as ruas novamente, dessa vez para protestar. Na verdade a maioria dos brasileiros nunca pôde deixar as ruas. O isolamento social, segundo estatísticas, só alcançou 27%  da população. A massa de trabalhadores continuou obrigada a dividir ônibus e metrôs lotados, assim como as linhas de montagem das grandes indústrias e comércios. Devemos aproveitar essa onda de protestos para se juntar às manifestações e também, com a vontade renovada, trazer a Pindaíba à luz.

 

A revista está pronta, terá 140 páginas. Além da coletânea COLÍRIOS E DELÍRIOS de poemas e contos, reunindo 34 autores, essa edição traz: 4HQs; entrevista com o grupo cearense de teatro Pícaros; entrevista com Jonnata  Doll; matéria sobre o poeta cratense Geraldo Urano; matéria sobre a cena marginal da literautura de Natal/RN; matéria sobre a literatura independente de Teresina/PI e a tradicional seção TÔ PUTO! (os “tô puto” serão acrescidos após uma campanha de divulgação).

 

Muito é preciso fazer. Vamos começar a etapa de divulgação e campanha financeira. É necessário o engajamento de todos, pois só é possível a publicação com o empenho coletivo dos pindaibeiros.

 

Vamos novamente nos reunir  na Praça João Gentil no sábado 17/06. Todos com máscaras e mantendo  o distanciamento proporcionado pelo espaço livre da praça. Na ocasião apresentaremos o boneco impresso para que os autores possam verificar a revisão; informaremos os valores da gráfica; discutiremos as atividades de divulgação e de venda e a participação da revista nas manifestações. Quando mais próximo, informaremos horário e a pauta de discussão mais específica. Os pindaibeiros que não puderem comparecer ou que ainda não se sentem seguros em participar de atividades desse porte, podem requerer  encontros pessoais na semana seguinte para esclarecimentos e ficar a par dos informes e encaminhamentos.

 

Sem mais no momento,

Abraços e Vida Longa à Revista Pindaíba!!!

 

André Dias

Fortaleza/CE. 29 de junho de 2021