segunda-feira, 12 de julho de 2021

O cálice e os três chicotes

A lei. A lei. A lei.

O galo e o enforcado.

E o meu sonho de sempre sobre o meu rosto antes do nascimento.

Refletido na água.

Cravejado com espinhos de ferro & aço.

Brilhando na noite da mata.

Em meio às estrelas e aos dentes de minha mãe.

A lei. A lei. A lei.

A primavera se abrindo com o sangue do galo.

Gotejando na carta do enforcado.

A lei. A lei. A lei.

E o meu rosto de sonho sempre antes do nascimento.

Cavalgando Eleguá, o cavalo de pedra.

E sua crina lambuzada de mel.

Entre os seios e as coxas de minha mãe.

Como se na carne uma fenda aberta à outra carne.

E no coração do mistério um abismo a outro abismo.

Gotejando nos caules de milefólio.

A lei. A lei. A lei.

O galo, o sonho, o enforcado.

Sempre.

O Azul caminhando ao meu lado.

Com sua espada de metal e a serpente.

Um olho tatuado dentro do olho.

Como a noite e o rastro das asas.

O inverno, a seca, o rio que morre e renasce.

Fogo-fátuo ante o palácio dos eguns.

Meu dicionário, meus medos interditados.

A lei. A lei. A lei.

A testa toca o chão ao som do atabaque.

Meu rosto é o mesmo de sempre.

Meu rosto antecede meu nascimento.

O sangue do galo pinga sobre o metal da espada.

A lei. A lei. A lei.

Dentro do cálice os três chicotes trabalham.

A forja Dele. A crina de mel. O silêncio do outono.

A memória do curry e do shoyu, a fonte.

Todos os quintais vão se abrindo.

Escadas e jardins e escadas e jardins e.

Não há mais esperanças:

A vida pode finalmente florescer em paz.

 

nuno g.

Toróró, 12 de julho de 2021

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