domingo, 17 de julho de 2022

os lírios do cotidiano e os sonhos que os ventos trazem.

havia tendas - como nas caravanas ciganas que acampavam sob as oiticicas.

e quando acordei o sonho ainda estava lá - escorrendo em sua voz ao telefone

e se amalgamando às fotos do Velho 

que esperaram quatro décadas para chegar aos meus olhos.

havia um bebê - como no dia em que me levaram na mata para conhecer Miguel.

e quando acordei as tendas ainda estavam lá e sua voz escorrendo como óleo

entre as teias e as flores e as crianças.

havia tantas camadas de febre e esquecimento sobre as pequenas coisas do amanhecer

que parecia ser impossível qualquer despertar.

havia muita água doce e uma gargalhada sincera aprisionada numa garrafa.

havia tendas e fogueiras e alguém aprendendo as primeiras letras.

sua voz escorrendo no telefone, uma fotografia antiga e um arrepio à pele.

somos o que esquecemos e sangramos para que o nada não soterre o amanhã.

somos o sangue que derramamos sobre a terra.

somos também a terra onde se erguem as tendas.

e sim, no seu sonho ela era a mais bela das mulheres daquele rio.

ela te disse como se chamava e te entregou mais uma vez a infância de Maria.

quando acordei a foto estava lá - e nela todo o passado que me foi negado.

havia lírios, sonhos e águas doces.

quando pronunciei teu nome tua voz me chegou ao telefone.

só no óleo certas esperanças alcançam sobreviver.


nuno g.

Toróró, 17 de julho de 22.

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