domingo, 8 de outubro de 2017

O ÚTERO E O ESPELHO, por clarice lis marcon.

I.

úteros pequenos definhando
em frente ao espelho:
nunca houve um poema
alegre em corpo de mulher
risos que empenham vaidades
suspiram alento no escuro
de onde nascem as irmandades

seco
cai o útero em frente a esquina
mulher que se preze
não se confunde às gôndolas do porto
não sai com nenhum marujo
não bebe pinga nem rum

desço meu último gole
como se fosse esterco
mulheres sós são
sonhos sem telhas

mulher que se preze
adora teto ao invés de festejos
são tempos em que não há
espelhos
(somente poucos)



II.

Porcos e crianças com fome
fazem parte do cenário
e o rio não leva tanto
o quanto se pensa
nenhum poema jamais
leva a água que invade
os poros que não fogem à sua responsabilidade
o rio esteve:
molha a mulher retoma os laços
mulher é um estado do pensamento
é um meio
para Deus fingir para todos que a água é macho

úteros caídos no chão
me vejo no espelho: temo
as vozes que vociferam contra as águas
e que repetem como as fábricas em sinfonia:
não és bela
são seus dedos ensejos pelos seios
todo o leite não basta
nesse mundo vencem apenas
os surdos e aqueles que por paixão
se tornam cegos
como uma cigana
a ver seu destino em três pedidos mal feitos
- não me rendo –



III.

Mulher que preze
anda armada até os dentes
escuto todas as vozes
que falam em meu nome

IV.

úteros caídos no chão e
mãos erguidas para o céu
a palavra retoma seu curso
sua performance nunca será alegre

corre mulher de três tetas!
corre e impeça esse poema de sangrar
diga as amigas
que agora tudo o que molha
secou

sangrando como fêmeas da linguagem
estéreis
putas
rés

úteros que rastejam até o mar
e morrem na praia
quando deixam de sangrar
mulher é fome do que ainda virá
até Deus e os demônios temem se afogar
já não há mais com o que se preocupar
sustentamos insanas
potes de barro maiores que nossos desejos
sonhos que não se
erguem mais
nem tijolo por tijolo
nem pedra sobre pedra
a mulher se contenta;

contorno meus lábios com lápis de olho
e seu sorriso eu o escondo
(era um menino)
Seu reflexo é mais do que peso
o útero e
o espelho
degladeiam-se até a morte
suam até o desespero
me abandonam
como o último homem também o fará
menos as forças que regem o universo

isso nós temos que carregar


clarice lis marcon.

Um comentário:

  1. o útero e o espelho: bem poderia se intitular "a paternidade e a sombra"...

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