Soubemos por um telefonema. Uma vez mais a vida me recordando das coisas que são maiores, imensamente maiores, que nós. Arrumamos as coisas e fomos à capital. Recordo o gramado verde e um imenso deserto amarelo se abrindo diante de meus olhos. Neste deserto nós brincávamos, crescíamos, abandonávamos todas as coisas perecíveis e seguíamos por uma estrada repleta de pequenos animais saltitantes. Olhávamos as estrelas, fazíamos fogueiras, celebrávamos rituais em línguas desconhecidas e dançávamos músicas que em nada recordavam o lugar de onde havíamos vindo. Encontrávamos vários peregrinos no caminho e com eles dividíamos os alimentos, as vestes, a lama e o lodo. Depois que o caixão desceu à terra o deserto amarelo foi engolindo tudo. Até minhas pupilas foram invadidas por aquela cor. Arrumamos outra vez as coisas e regressamos ao sertão. Guardei em meu coração a memória daquele caminho e a certeza de que onde quer que ele me levasse meus passos seriam sempre insuficientes: não havia mais sequer mínima diferença entre estar só ou habitar a multidão. Havia apenas o amarelo mais intenso que conheci e a incômoda sensação de que a danação eterna era algo mais que uma desgastada metáfora entre as cáries das beatas da igreja.
nuno g.
Toróró, 23 de novembro de 2024.
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