Numa tarde dedicada ao Caçador, Rebeca viu uma senhora velha, muito velha, apanhando punhados de areia e observando seus grãos escapando lentamente entre seus dedos magros e ossudos como sempre imaginou que seriam os ossos dos dedos de Tempo. Tudo era silêncio e entendimento ante aquela senhora tão velha e seu repetitivo gesto. Rebeca; a que nunca se apresenta nem se oculta, a que se soube pequenina estrela, filha da lua e de Tempo. A que ainda sem ter conhecido seu pai sempre se flagrou imaginando seus dedos costurados com ossos magros e compactos. A senhora, acaboclada e lúcida, chamava-se Assucena. Em sonho, em matéria ou em qualquer outra dimensão do mito ou da história, Rebeca existia, apenas existia. Parecia guardar a natureza das nuvens, assemelhava-se a uma serpente pela agilidade com que trocava de pele. Antes dessa tarde Rebeca foi à mata sombria, ao coração da mata sombria: terras do ferreiro de nome impronunciável. Lá ela encontrou o anjo em sua forma de anjo. Lá Rebeca encontrou Assucena por primeira vez. Filha de Tempo e da lua, Rebeca se entregou à terra e uma nesga de espanto encontrou-se à sua própria sombra na cidadela onde tudo é turvo, tão turvo quando a própria palavra turvo. Não haveria amanhã se não houvesse Rebeca, essa a preciosa herança herdada da orfandade. Não haveria ontem se não houvesse Rebeca; isso a obriga a, de tempos em tempos, retirar-se aos cumes montanhosos onde habitam os jaguares encantados e, desde lá. acariciar com as unhas as águas do rio que corre ao revés do correr que é próprio aos rios, o correr em direção ao mar. Apesar de tudo, tudo em Rebeca é sertão: ou ao menos um estranho rio que corre em direção a ele - apesar do manto do luto ou justamente pelas sombras com as quais as musas teceram o que por Destino fora, desde sempre, condenado ao Esquecimento.
nuno g.
Toróró, 17 de novembro de 2024.
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