sexta-feira, 29 de novembro de 2024

a feiticeira das águas roxas

      Em queda perpétua, se apresentou assim: Jezabel, senhora das insistências e de tudo que é turvo e irremediável. Em queda perpétua, contínuo estado de ausência de si, silhueta em permanente estado de cintilância, cigana. Jezabel, senhora detentora do saber amar o que em si é detestável e de tudo que é queda, ruína e sofreguidão: assim se apresentou. Antes, muito antes, do nascimento de Tempo, seu filho. Jezabel, a que com plumas fere e que em sonhos firma os pontos do Destino e de toda cisma inexorável. Em queda perpétua, a que traça círculos concêntricos e comanda desde sua casa de lama toda devoração, a que amplifica e faz ecoar todos os vestígios de tudo que por qualquer razão tenha sido condenado ao esquecimento. Em queda perpétua, assim partiu. E nenhuma coincidência há que o tenha feito na mesma forma em que chegou. Os encantados animais de fogo e a noite sobre a qual reina são testemunhas vivas de sua dança que, embora breve, foi suficientemente capaz de restaurar a memória de como chegamos ao caos e de como nasceram as enfermidades, os ódios e todas as fúrias. Jezabel - a criança que chora e te acompanha aninha o que resta de sagrado no desespero; onde tudo é sombra sua queda se revela como condição de possibilidade de alguma luz: ainda que uma luz frágil, trêmula, quebradiça e exausta ante a recorrente palidez estampada à face dos que a ti recorrem: palidez que denuncia o peso do medo e o absurdo do espanto que os movem a prostrar-se à serena ansiedade dos teus pés.


nuno g.

Toróró, 29 de novembro de 2024.

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