quinta-feira, 28 de abril de 2022

mistério das águas e do tempo

tudo é pressentimento e intuição

os passos dos mortos que sobem e descem as escadas

o arco-íris que não se apresenta depois da tempestade

e a luta incessante e feroz entre a carne e a carne

tudo é pressentimento e intuição

os olhos da fera que habita a casamata

e o silêncio, rude e vago, que percorre os entrevãos da sombra

tudo é pressentimento e intuição

a memória, o caminho, a febre

não há outro selo que não seja o da infecção

não há outra via que não seja a da ascensão

por todos os lados o horizonte se estreita

ricos vestidos de ricos se comportam como ricos

enquanto os sábios regressam às selvas e com as mãos em formas de conchas

bebem uma vez mais a límpida água que corre nos rios

o tempo nos atravessa como uma flecha

miríade de flechas e cavalos castanhos

tudo é pressentimento e intuição

nada é em vão - o morto que aqui habita

procura uma boca que lhe abrace a voz

tudo é pressentimento e intuição

a chuva afaga a terra

os ricos se olham como ricos e se pensam ricos

nada lhes basta, nada lhes conforta, nada lhes pertence

os sábios regressam - sempre recordando as dificuldades inerentes a todo regresso

a luta incessante entre o espírito e o espírito

e os paralelepípedos da cidade mágica permanecem inalteráveis

a culpa, o pecado, a cisma

a chuva outra vez e todas suas indistintas promessas

tudo é pressentimento e intuição

nada é em vão - nem o medo, nem a tempestade

o solilóquio dos sábios é composto de música, delicadeza e abruptas revelações

tudo é pressentimento e intuição

a chuva afaga a terra, os olhos do cintilante se fecham,

tudo é turvo, tudo é ascensão:

tudo é pressentimento, tudo é intuição.


nuno g.

Toróró, 28 de abril de 22.


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