para Adriano Brito,
O dia amanheceu nublado,
O dia amanheceu em paz.
Maria me fez um carinho e me disse:
papai, amanhecer e paz são a mesma coisa.
Hermenegildo me soprou:
Eu venho de longe, você também.
A dor da tendinite e a dor da guerra são linhas do mesmo arco.
Eis a flecha, aqui.
Na hora em que chegaram a pedra e seu Senhor cantavam a Inaê.
A dor e a guerra se mesclavam como a água e a água.
Dona Eliana, com sua face renovada em mel, esteve aqui uma vez mais.
Choveu pipocas e recordei antigos sonhos.
Ian, meu pequeno, descansa em paz.
As águas do Jaguaribe levando o espírito de Dellany.
Saudades de Adélia. Saudades de Judite. Saudades de não sentir dor.
Minha energia vital decantando na quartinha.
A dor e a guerra se estendendo pelo tendão inflamado.
Maria me fazendo carinho e me dizendo.
Papai, daqui a pouco você estará curado.
Recordando aqueles sonhos em que os degraus da escada desmanchavam como sorvete ao sol.
Recordando aqueles sonhos em que a ponte se dissolvia como a luz das estrelas no espaço.
Me afastando de mim, da dor, da guerra e das memórias de minha pele.
O ferreiro. O caçador. A senhora dos ventos.
E brilhando acima de todos nós a Senhora da Lama Roxa.
A faceira de luto. O rosarinho de luto.
E a memória da guerra contra os tapuias no vale das onças.
E a memória da guerra contra os palestinos em Gaza.
E a memória dos fascistas invadindo Brasília e os meus sonhos.
Reconhecer na dor uma mestra, difícil e árdua tarefa.
Hermenegildo entre as nuvens.
Essa ponte que somos entre um sonho e outro.
Entre um corpo e outro.
Entre uma morte e um nascimento.
Maria foi dormir na casa de Ignez.
Me fez um carinho e me disse:
Papai, estou com piolhos outra vez.
Rego Assucena esperando a flor.
Não há ainda arco-íris no céu, não é seu tempo ainda.
Suo. Tremo. Balanço.
Bruno me fala do amor divino.
Adriano me canta o amor divino.
Os gatos traquinam pela casa.
A dor me leva à exaustão, uma vida inteira andando descalço pela fronteira.
Hermenegildo se despede, passarinho que é, avoa.
Hermenegildo se despede, peixinho que é, nada.
Assucena dorme. Maria se faz estrela e brilha.
A dor no meu ombro se espalha pelo meu tendão.
A guerra de Tempo se alastra pelo meu agora.
Sentado à Pedra espero.
As portas do Monastério das Flores Selvagens permanecem fechadas.
nuno g.
Toróró, 11 de janeiro de 2024.
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