para Maria Alice y Maria Assucena,
Um peixe riscou as águas do amanhecer.
Entre a história e a psicologia corre um rio.
O mais difícil é saber quando exorcizar ou invocar.
A mulher que tem a razão no corpo dorme e semeia.
A flor de Assucena vai brotando nessa zona de indiferenciação.
Entre as margens dos fatos e as várzeas das fantasias.
A estrada de piçarra vermelha aberta.
Na encruzilhada aquele menino que fui um dia.
Que como os prisioneiros escrevia nas paredes com sangue e fezes.
No meu sonho faltava um real para inteirar uma cerveja.
No meu sonho faltava um real para inteirar uma água mineral.
Quem sonhava era aquele menino que já não existe mais.
O menino que sonhava todos os dias em viajar pelo mundo.
O menino que acreditava que só navegar era preciso.
O menino que me ensinou a verdade dos fingimentos.
E as tinturas que as aranhas usam para colorir os destinos.
Assucena vai brotando na encruzilhada dos rios.
Sob as bênçãos de Tempo e da Senhora de Roxo.
Nessa lama sobre a pele todo um palimpsesto perdido.
Alice tem a força de um assentamento cravado nas águas.
Resiste, ilumina e serve de chão ao limbo fosforescente.
Assucena tem a paciência do fogo.
Persiste, ilumina e serve de morada ao que fica depois que arde.
Aos suicidas tudo é negado.
O corpo, a voz e uma última mirada.
Aos suicidas é negado um bom lugar no Além.
Umas exéquias respeituosas.
Um lugar de descanso no campo santo.
A mulher que traz uma flor no ventre dorme.
Uma chuva fina e serena cobre o horizonte.
O mais difícil segue sendo saber a hora de exorcizar ou de invocar.
O futuro é a máscara mais sublime da memória.
Os peixes sabem que Tempo é uma árvore que dá frutos toda vida.
No silêncio a insistência da violência se desdobra em sombras infinitas.
Os peixes sabem que as guerras de Tempo se travam no corpo.
O menino que eu era já não existe mais, embora seus sonhos sigam aqui.
Como os dois cães pousados aos pés do espelho de Tempo.
Perdidos entre as imagens do passado e seus próprios reflexos.
O mais difícil é a certeza que será preciso regressar uma última vez.
nuno g.
Toróró, 11 de setembro de 2023.
Como as Torres de Manhattan, em 11 de setembro de 2001, e as Colunas J. e B. do Templo de Jerusalém, que seria construído por Davi, mas foi de Salomão a responsabilidade edificada com o reino de Tiro, "o menino que eu era já não existe mais, embora seus sonhos sigam aqui." Muito bom compadre!
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