Sonhei que estávamos próximos ao Bosque de Chapultepec.
Tato, Lupe e eu.
Havia formigas e latas de uma aguardente chamada el tiburón.
Não haviam deuses nem nada além de formigas.
E de pessoas com caras de formiga.
Eu ia até o banheiro mas não conseguia urinar.
Pois pessoas com cara de formiga se amontoavam no banheiro.
Num banco de praça metálico uma velha senhora de óculos lia os detetives selvagens.
Não havia mistérios nem nada.
Apenas cães metálicos e sombra de gatos cruzando a noite mexicana.
Quando acordei chovia.
Era véspera de trovoada e o sorriso de Valentina estava no meio do céu.
Como uma lua iluminando as águas que caíam como lágrimas.
E formavam o rosto de Hilda Hilst no ar.
Estávamos saudáveis, felizes e cheios de saudade.
Mas algo de nosso sangue e nossa juventude havia se esvaído.
Sonhei com Claudio Reis e Mardônio França.
E perambulávamos pela noite cachoeirana.
Como três palhaços endiabrados que recém haviam entendido.
Que em toda esquina existe a probabilidade de se encontrar uma lâmpada com um gênio engarrafado.
O despertador tocou.
Hora de acordar Maria para ir à escola.
O dia nublado.
A recordação de Valentina sorrindo em seu dia.
Cartas de tarot espalhadas sobre o chão da casa.
E notícias do fim do mundo gotejando sobre o telhado.
Gotejando sobre os cães no terreiro e sobre o sangue e a juventude que havíamos perdido.
Maria se negava a levantar.
Papai, por que hoje você me acordou mais cedo?
Não filha, já são 05:39.
Enquanto escovava os dentes recordei do sonho com a mãe de santo tomando ayahuasca.
E as notícias do fim do mundo seguiram gotejando sobre o telhado.
Maria, finalmente, desceu as escadas.
O som de seus passos nos degraus de madeira entrava no meu corpo.
E se unia ao som de meu coração enferrujado.
A palavra que esqueci me perturbava.
Como se o dicionário ainda estivesse incompleto.
E tudo o que me trouxe até aqui se revelasse frágil e precário.
Maria escovou os dentes, penteou os cabelos, passou mel nas unhas e sorriu.
Recordei de um sonho muito antigo.
De um sonho terrível com o espírito lunar de minha mãe.
Gabriel me ligou: as crianças acordaram doente aqui.
Maria deitou no sofá.
Seguia chovendo.
E as notícias do fim do mundo estavam infiltradas em cada gota de água que caía...
nuno g.
Toróró, 25/10/22
Nenhum comentário:
Postar um comentário