terça-feira, 25 de outubro de 2022

Nenúfares II

para Jack Kerouac & Gary Snider,


Sonhei com Bruno lendo paradiso de Lezama Lima no quarto 217 do Overlook hotel.

Chovia muito e havia estilhaços de granadas ricocheteando por todos os lados.

Gerardo Machado, Fulgencio Batista e Golbery do Couto e Silva tomavam drinks na janela.

Sonhei com bernardinho saltando a porteira do sítio.

Sonhei com André Dias desenhando a palavra nenúfares na soleira do dicionário.

Chovia muito.

Sobre as plantações de papoula.

Sobre os cílios e as pálpebras de Neruda.

Sobre as cartas do tarot de Jodorowsky.

Sonhei com todos os meus sonhos encharcados por uma chuva de séculos.

Sonhei com o escárnio, a mentira e as infinitas perversões do ego.

Sonhei com cinzas e com armadilhas.

Sonhei com meus dois abikus em sua floresta.

Sonhei com Claudio Reis entre lírios brancos.

Sonhei com os sonhos da mulher que traz no corpo a razão.

Sonhei com a morte e com suas sedutoras artimanhas.

Sonhei com a chuva, com as granadas e com os agrimensores do Palácio dos Einhejar.

Sonhei com arquivos labirínticos e com a fé selvagem.

Sonhei com o assassinato de meu pai.

Sonhei com o suicídio de minha mãe.

Sonhei com os tapuias do Jaguaribe.

Sonhei com a chuva de mil séculos e com os erês de Tempo.

Sonhei, sonhei, sonhei...


nuno g.

Toróró, 25/10/22.


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