Gleizer apareceu cuspindo ossos.
A princípio pensei tratar-se de ossos de galinha.
Daqueles que faziam meu avô evitar comer galinha em restaurantes.
Mas eram ossos humanos.
Revestidos de cartilagens frescas e nervos expostos.
Larissa fez pasta de amendoim.
As fezes de Assucena amanheceram verdes.
Como o lodo do rio da infância.
Como os olhos do gato maracajá morto aqui semana passada.
Três taças de café ao som de Ventania.
Garfield, o gato gordo, come a batata doce que cai da mesa.
Luís transforma o berço em cama montessori.
A vida pesa. Montanhas e montanhas de cansaço sobre meus ombros.
Vertigem. Pulsação acelerada. Ressentimentos geológicos se movendo à luz do sol.
Recordo à voz de uma amiga prostituta que me repetia.
É só um trabalho poeta, como qualquer outro.
Até que se apaixonou por um caminhoneiro e partiu.
Com sua cigana de estimação e alguma culpa entre os cílios.
Acendo mais um cigarro e ouço a voz de Ayla.
Esse cigarro te mata.
Desconfio de tudo e de todos.
Suave e delicada paranoia no olhar em direção ao Nada.
Saudades dos tempos da pandemia e de todos os refúgios que me mantiveram vivo.
O telefone toca: Assucena desperta.
Alice nos envia três mil mensagens telepáticas por segundo.
Não chove. É agosto. Escoro minha angústia na palha.
E clamo ao Velho alguma fé numa paz que sei impossível.
nuno g.
Toróró, 13 de agosto de 2024.
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