para Adélia Prado,
meus joelhos seguem sangrando de tanto chão
em trevas me reconheço e ouço as cem mil vozes que me habitam
relâmpagos e trovoadas me acendem e me estilhaçam
em cem mil vagalumes
estamos mergulhados na história, ou seja, no terror absoluto
atravessamos os tempos em que nossos corpos se fizeram vidro
fomos atravessados pelos tempos em que nossos corpos se fizeram metal
o homem da mão seca ainda acaricia meus cabelos
e sorri quando vejo meu avô quase-pássaro ousar o abandono do abismo
o homem da mão seca ainda me seca as lágrimas
quando recolho o sangue de minha mãe na calçada suja da Conde da Boa Vista
o homem da mão seca ainda tece curativo nos meus joelhos
quando desperto em Belém em meio ao tiroteio que matou meu pai
e penso: eles sabiam que ele era meu pai
meus joelhos seguem sangrando de tanto chão
na mata sombria reacendo minha devoção
e aprendo com o ferreiro a forjar silêncios
cem mil vagalumes me guiam
cem mil vozes me habitam
em cada poema respira uma breve e delicada oração
nuno g.
Toróró, 07 de agosto de 2024.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue lindo e profundo, transformar a dor insondável em poesia e terminar com a certeza que "em cada poema respira uma breve e delicada oração", me emocionei.
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