terça-feira, 13 de agosto de 2024
edifício Grão-Pará (sonho noir)
segunda-feira, 12 de agosto de 2024
Ciranda de hoje, texto lido por Ayla Andrade no lançamento do Dicionário dos medos imaginários: morfemas.
O tempo é a melhor testemunha do quanto se vive.
Uma ciranda que roda, circulando mão a mão, na roda do tempo, enquanto se olha o céu.
Penso que vivo pouco e devagar. Olho pouco para trás. Mas é quando olho para o lado que vejo quantas mãos me seguram nessa ciranda.
Porque o tempo não para, e por vezes acelera ou recua, e é onde a ciranda se embaralha, algumas mãos se soltam, a gente tropeça e precisa depois correr, braço estendido, tentando alcançar o perdido.
A ciranda é potente e ciclicamente retorna ao ponto inicial. Suspeito que serve para recuperar o fôlego, sorrir de volta, ajeitar a coluna e... alcançar o perdido.
Nessa ciranda o tempo marca o tom, o compasso, o recomeço e por vezes, o fim. Por mais que nunca estejamos preparados ou desejosos do fim.
Mas rodando com a ciranda certa, mão a mão, com chuva ou sol, amor e um pouco de raiva, a gente chega ao fim, sorrindo.
Rodando cheguei até aqui. E quando olho para lado, ciranda que a vida me deu, vejo que o tempo me foi generoso: mão a mão, os amigos rodam comigo enquanto ainda olhamos o céu.
Ayla Andrade.
https://www.instagram.com/dicionariodosmedosimaginarios?igsh=eHZma2FiYmxuZnRo
domingo, 11 de agosto de 2024
cemitério bizantino II
roupas estendidas no varal
e ainda essa sensação
de despertencer ao reino onde desperto
nuno g
11/08/24
sábado, 10 de agosto de 2024
cemitério bizantino
sonhei com uma fotografia de damário da cruz
meias sujas espalhadas no quintal
e a certeza de que não pertenço ao reino onde desperto
nuno g.
toróró, 10/08/24
quarta-feira, 7 de agosto de 2024
ante o Insondável
para Adélia Prado,
meus joelhos seguem sangrando de tanto chão
em trevas me reconheço e ouço as cem mil vozes que me habitam
relâmpagos e trovoadas me acendem e me estilhaçam
em cem mil vagalumes
estamos mergulhados na história, ou seja, no terror absoluto
atravessamos os tempos em que nossos corpos se fizeram vidro
fomos atravessados pelos tempos em que nossos corpos se fizeram metal
o homem da mão seca ainda acaricia meus cabelos
e sorri quando vejo meu avô quase-pássaro ousar o abandono do abismo
o homem da mão seca ainda me seca as lágrimas
quando recolho o sangue de minha mãe na calçada suja da Conde da Boa Vista
o homem da mão seca ainda tece curativo nos meus joelhos
quando desperto em Belém em meio ao tiroteio que matou meu pai
e penso: eles sabiam que ele era meu pai
meus joelhos seguem sangrando de tanto chão
na mata sombria reacendo minha devoção
e aprendo com o ferreiro a forjar silêncios
cem mil vagalumes me guiam
cem mil vozes me habitam
em cada poema respira uma breve e delicada oração
nuno g.
Toróró, 07 de agosto de 2024.
domingo, 4 de agosto de 2024
Afogados
a vida é uma besta selvagem.
Stella Díaz Varín
Não culpem o mar nem os pés.
Ainda menos as sereias e seus cânticos devocionais.
Não culpem o verde nem o sal.
Ainda menos as espumas brancas e cintilantes.
Não culpem o fogo nem a madeira.
Ainda menos o crepitar dos ossos ou o estalar das vertigens.
Apenas deixem que seus passos os conduzam ao inevitável afogar-se.
nuno g.
Toróró, 04 de agosto de 2024.
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
Aparecida
Ela nunca esteve entre nós.
Talvez por isso podia falar de Eliana antes da queda.
De suas coxas brancas, seus êxtases e suas manhas.
Carregou o estigma da adoção como quem carrega um daimon de aço.
E o nome da santa indígena saída das águas de um rio.
Ela nunca esteve mesmo entre nós.
Não lhe reservaram convite nem lugar à mesa.
Talvez por isso podia passear com seus cães pela cidade.
O estigma sempre arrastado à coleira.
E pouca razão à ferocidade.
A lei do luto lhe levou à metrópole.
Casou. Enviuvou. Cruzou a fronteira da península.
E desapareceu numa Espanha de touros e esquecimentos.
nuno g.
Toróró, 03 de agosto de 2024.