em silêncio.
gosto de ouvir as árvores crescerem.
deitado à rede.
vez ou outra um passarinho rompe o silêncio.
é como se meu avô me visitasse.
nessas horas meu pensamento se desgarra da distração onde vive.
e quase toca algo de matéria.
passarinho avoa, meu avô se vai.
e meu pensamento volta à distração onde vive.
gosto do nada e de todas as coisas que vivem dentro do nada.
tenho horror à palavra que só existe em representação.
tenho horror à palavra que é seta apontando pra fora.
por isso uma das minhas palavras favoritas é víscera.
também gosto de amarelo que quando se junta com caminho sempre me lembra Ernesto.
e todas as lonjuras onde nossos passos teriam tocado se ele não partisse tão antes.
gosto de pensar que um dia tudo isso passa.
essas árvores vão ter virado floresta.
e meu corpo vai estar sob esta terra.
* * *
gosto de pensar que já vivi aqui outras vezes.
e que algum dia renascerei entre essas pedras que amo.
e esse rio será águas límpidas.
serei aquele pássaro e o homem deitado na rede será meu avô.
ele me ouvirá cantar e o meu canto o salvará mais uma vez.
nuno g.
toróró, 14 de setembro de 22.
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