sábado, 7 de maio de 2022

Romantismo.

Vivemos uma ficção.

Estamos imersos num pesadelo.

O apocalipse deixou de ser um gênero literário.

Convertido em horizonte histórico avassalador.

O fascismo assumiu o comando do relógio do tempo.

O que nós buscamos se afasta de nós como o azeite da água.

A relação entre terror e realidade foi equacionada pela perversão.

Não escutamos. Não entendemos. Não vemos.

E os gritos de nossos sonhos já não nos flecham.

Quando as mãos sem cor apertaram o gatilho não puderam esquecer meu choro.

Olhei dentro do armário anos a fio o semblante dela.

E suas pernas torneadas e seu corpo esbagaçado na calçada.

Ainda assim permanecia bela e inviolável, soprou o coveiro. 

Voltamos à ficção.

Mergulhamos uma vez mais no pesadelo.

Os submarinos, as armas nucleares e a falência psíquica.

Quando as ruas foram cobertas com folhas de maniva.

Quando choveu meteoros uma última vez.

Quando a perversão tornou-se o equalizador da canção do terror e da perversão.

Paramos de sonhar. Paramos de entender. Paramos.

E ainda sem escutar ou sem ver a fantasia persecutória prosseguia.

Os disparos, o salto e a teia de mentiras.

O que buscávamos se afastando como o azeite da água.

E os mortos em silêncio trabalhando em prol da incertidumbre.

Nas cidades invisíveis da floresta negra o sol atômico e as películas de culto.

As pernas torneadas entre as peças de antiquário.

O balé de delfines no deserto do Atacama.

Os gritos de nossas flechas já não sonham.

Só a montanha impávida e colossal saberá nos mover daqui.

O tempo desintegrará todos os relógios.

E os subterrâneos da terra voltarão a sorrir.

Só os que morreram muitas vezes saberão nos guiar para fora do pesadelo.

Só os que conhecem a terra dos mortos saberão restituir ossos ao corpo da realidade.

Só os que falam a língua dos pássaros e das nuvens entoarão canções de amor e utopia.

O balé de flores sob o asfalto derrotado.

E os afetos que nos atravessam como quando entendemos 

que também os apocalipses guardam em segredo seus mais indecifráveis propósitos.


nuno g.

06 de maio de 22.


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