domingo, 17 de março de 2024

Uma vela para minha vó

 para Maria Zilá Lima Gonçalves


minhas mãos

trêmulas desde antes da criação do mundo

úmidas como úmida a madrugada de minha infância

te ofertam essas duas flores encarnadas como carvão em brasa


minhas mãos

unhas sempre ruídas 

palmas riscadas por pequenos relâmpagos

te apresentam essas duas flores que a seu pedido foram nomeadas marias


minhas filhas

seus nomes são memória de que a carne é estremecimento e devoção

seus nomes são memória de que ainda em sonhos sua bisavó seguia em oração

seus nomes são memória que uma serpente rasteja ainda no chão de meu coração


minha vó

o caminho da novena era mais estreito e comprido que eu imaginava

o caminho da novena era mais cheio de curvas e insensatezes que meus delírios

o caminho da novena, minha eterna febre enlaçada em suas rugosas mãos de serenidade


a paz está sempre em algum lugar onde nunca se chega

a paz está sempre fora do alcance das mãos

a paz é um pássaro do passado que os ornitólogos nomearam amanhã


nuno g.

Toróró, 17 de março de 2023.

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