Assucena me despertou e meu sonho se esvaiu ao entreabrir dos olhos.
As asas da Esperança sempre me roçando suavemente o corpo.
As exigências do destino. As obrigações do karma.
A amorosa luz de seguir caminhando entre a resignação e a revolta.
Alice tão longe e tão perto. As cobranças e as encruzilhadas.
Dentro de mim as camadas e camadas de cinzas e o fogo de Tempo.
E a árvore de Tempo. E as sementes de Tempo.
E a boca faminta da Morte ao calcanhar.
Já não há mais dúvidas:
pertenço a uma geração que legará um mundo pior que o herdado.
Ainda nisto encontrar uma pedra ou nuvem para firmar a delicadeza.
Aprender com algum inseto sobre essa habilidade da natureza.
Que destrói o que lhe serve de insrumento à materialização de algo.
Hoje é terça e terça nunca é um dia qualquer desde que escutei a voz do silêncio.
Povo das águas - recebei entre seus fios de cabelos o rogo dos povos de Ar.
O cansaço se avoluma sobre a montanha de cansaços.
Certa ternura se agiganta no redemoinho de tristezas que preenche a tarde.
Ouço o eco de sonoridades muito antigas.
Caminho por paisagens que já não existem mais.
E me agarro com força ao porvir.
Já não há mais dúvidas:
confiar na áridez e desaprender tudo que nos ensinaram.
Pouco convém determinadas insistências.
Existem respostas e medicamentos que se resumem a prolongar sofrimentos.
A sobrevivência só guarda serventia quando tática.
Sábado entregarei minhas últimas arrogâncias e o que restou da verdade.
Depois de amanhã terei atravessado mais uma quaresma.
Entre mel, gafanhotos e sangue.
Jordânia significa descendência.
Ou o rio onde os órfãos podem reconhecer seus antepassados.
Depois da quaresma terei me atravessado mais uma vez.
Sem ter me tornado um com o abismo que me olha desde antes de meu nascer.
Sem ter me enforcado com a corda que ante meus olhos propõe: desata-me.
Depois de amanhã a quaresma terá me atravessado mais uma vez.
Descêndencia significa rio que corre em direção contrária.
Ou oceano que engole praias e montanhas.
Assucena me despertou e todo o sonho se dissolveu.
Restou apenas a bonita imagem de Paçoca, a cadela,
devorando borboletas amarelas no alpendre da casa do Almirante.
nuno g.
Toróró, 12 de março de 2024.
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